Título: Eleição em Québec muda quadro político no Canadá
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Fonte: Valor Econômico, 02/04/2007, Internacional, p. A15

À primeira vista, a eleição provincial de Québec não alterou nada. Jean Charest, o perseverante federalista que lidera o Partido Liberal do Québec, permanecerá no cargo como primeiro-ministro da província. Contudo, quase tudo o mais mudou. O separatista Parti Québécois (PQ) sofreu uma surra possivelmente terminal. Com isso, a linha divisória federalista-separatista que havia definido a política da província de fala francesa e contagiado a política do resto do Canadá de fala inglesa por mais de uma geração poderá se tornar uma coisa do passado.

Em seu lugar há um novo partido, Action Démocratique du Québec (ADQ), e uma nova demanda por "autonomia" - seja lá o que isso signifique. E, no curto prazo, pelo menos, a ascensão do ADQ poderá também redesenhar o mapa político do Canadá a favor de Stephen Harper, o primeiro-ministro federal conservador.

Em qualquer outra eleição em Québec durante o século passado, a safra de apenas 48 assentos teria remetido Charest à agência estatal para desempregados. Mas a onda repentina de apoio ao ADQ transformou um sistema de dois partidos num tripartite. Charest chefiará o primeiro governo de minoria da província desde 1878.

O ADQ e seu líder, Mario Dumont, foram os verdadeiros vencedores da eleição. Enquanto o PQ é social-democrata e quer a independência, o ADQ é conservador e moderadamente nacionalista. Há apenas seis meses, foi descartado como um bloco de uma só pessoa. Durante a campanha, Dumont foi assolado pelas observações impensadas de candidatos impensadamente escolhidos. Um ridicularizava a violência contra mulheres, outro atacava imigrantes que não apoiavam os modos de Québec, um terceiro acusava os judeus de começarem guerras como forma de enriquecerem. Além disso, os gastos do partido de Dumont eram maciçamente superados pelos Liberais e pelo Parti Québécois.

Que mesmo assim ele tenha deslocado o PQ para o terceiro lugar e ao seu pior resultado desde o seu surgimento em 1870 foi em parte um triunfo pessoal para o politicamente hábil Dumont, um ex- membro do partido Liberal, de apenas 36 anos. Mas ele também deu vazão a um desejo mais amplo por mudança.

A exemplo de um número crescente de quebequenses, Dumont se recusa a definir-se como federalista ou separatista. Em vez disso, ele e seu partido preferem "autonomia" - que o Québec deve permanecer no Canadá, porém com poderes dilatados. Na verdade ele defende colocar de lado a discussão em torno do relacionamento de Québec com o Canadá e avançar para outras questões.

Esta postura jamais foi levada a sério pelas classes formadoras de opinião de Montreal. Junto com a plataforma conservadora de Dumont, porém, ela parece ter repercutido entre a população de fala francesa nos demais lugares na província, nos subúrbios e nas áreas rurais e mesmo na Cidade de Québec. Os eleitores nessas localidades geralmente decidem as eleições em Québec.

No passado, na maioria das vezes eles apoiaram o PQ, que em duas ocasiões realizou referendos sobre a independência e ficou a poucos milhares de votos de vencer uma delas, em 1995. Desta vez, a promessa do PQ de convocar outro referendo, caso eleito, demove muitos eleitores, talvez para sempre. O declínio do PQ continuará, prognostica Vincent Lemieux, um veterano cientista político.

"Não creio que algum dia voltarão a governar de novo." Ele diz que os principais partidos nacionalistas de Québec tendem a durar por uma geração antes de serem suplantados por outros com uma visão diferente. O PQ, que cresceu a partir do fervor pós-colonial radical da década de 1960, poderá simplesmente descobrir que desta vez o seu tempo acabou.

Ele não foi ajudado por seu jovem líder, André Boisclair. Seus ternos de Milão, sua homossexualidade assumida e seu uso de cocaína enquanto era um ministro afastou muitos tradicionalistas. Alguns deles ficaram em casa, ao passo que outros se baldearam para o ADQ. Na derrota, Boisclair declarou que permanecerá como líder e defenderá que o PQ reconsidere algumas das suas políticas. Mas o partido poderá concluir que será mais fácil trocar o seu líder a começar um debate sobre sua "raison d'être" de independência.

A ascensão do ADQ também confirma uma deriva para a direita em Québec. A plataforma do partido trouxe apoio para a família, cortes no sistema previdenciário, um papel mais destacado para atendimento médico privado e exigências vagas para que os imigrantes se conformem aos costumes locais. Seu papel de oposição oficial poderá significar, paradoxalmente, que o segundo mandado de Charest será mais fácil que o primeiro, apesar de haver perdido a sua maioria. Charest, um ex-líder dos conservadores federais, tentou reduzir o tamanho da máquina governamental, mas foi freqüentemente frustrado pelo PQ e seus sindicatos de trabalhadores aliados.

A eleição também foi auspiciosa para Harper em Ottawa. No orçamento deste mês, seu governo ofereceu recursos adicionais a Québec, em uma tentativa transparente de demonstrar que o federalismo pode funcionar. Tendo um apoiador em Charest e um admirador em Dumont, o próprio Harper pode ser estimulado a convocar uma eleição antecipada. Ele também lidera um governo de minoria e acredita que o caminho para uma maioria passa por Québec.

No longo prazo, porém, o voto em Québec pode trazer novas questões. Uma é se o separatismo está tão moribundo como aparenta agora. A outra, é o que "autonomia" significa na prática, além de pedidos de mais verbas de Ottawa.