Título: Redução da dívida pública continua um imperativo
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 02/04/2007, Opinião, p. A16

Diante da nova metodologia criada pelo IBGE para calcular o Produto Interno Bruto (PIB), o governo Lula decidiu fixar em valores absolutos, e não mais em percentual do PIB, a economia de recursos feita pelo setor público para honrar o pagamento da dívida interna. Por causa do novo PIB, que cresceu em relação ao anterior em termos contábeis, a meta de superávit primário, como proporção do produto, diminuiu de 4,25% para 3,83%.

Para que não pairem dúvidas de que o setor público (União, Estados e municípios) continuará produzindo superávits primários suficientes para reduzir a relação dívida/PIB, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, anunciou, na quinta-feira, que a economia a ser feita em 2007 será, em termos absolutos, a mesma projetada antes da mudança de metodologia do PIB - R$ 95,89 bilhões. Na metodologia anterior, isso representava 4,25% do PIB. Agora, equivale a 3,83%.

Se, por um lado, a economia aumentou de tamanho com os novos métodos do IBGE, por outro, a dívida pública encolheu de forma significativa como percentual do PIB - de 50%, no cálculo antigo, para 44,7% (dado de fevereiro). Trata-se, realmente, de uma excelente notícia. É plausível, portanto, que, no novo cenário da economia, a meta de superávit primário também diminua em termos contábeis. Em valores absolutos, ela seguirá sendo a mesma, o que é uma garantia de sustentabilidade das contas do Estado brasileiro, pelo menos neste ano.

Ao fixar a meta de superávit em valores absolutos, o que exigirá mudança na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), o governo quer evitar o possível desgaste que o anúncio de um superávit menor, como proporção do PIB, poderia causar. Mais importante do que isso, no entanto, será esclarecer, como bem advertiu o economista Raul Velloso, um dos maiores especialistas em finanças públicas do país, qual será a estratégia, daqui em diante, para a dívida pública.

No anúncio da última quinta-feira, Guido Mantega informou que, também por causa da nova metodologia do PIB, a parcela de investimentos públicos passível de dedução do superávit primário - o Programa Piloto de Investimentos (PPI) - cairá de 0,5% para 0,45% do PIB. Em valores absolutos, no entanto, serão mantidos (em R$ 11,3 bilhões) os recursos previstos anteriormente. Com isso, a rigor, a meta de superávit primário poderá cair, neste ano, para 3,35% do PIB, embora ninguém, no governo, acredite na capacidade da máquina pública de realizar, em sua totalidade, os investimentos previstos - há dinheiro disponível, mas faltam projetos, especialmente, nas áreas de saneamento e habitação.

Apesar da melhora dos indicadores fiscais promovida pela nova metodologia do IBGE, o governo não pode se dar ao luxo de relaxar na administração das contas públicas. Os números melhoraram, mas o Estado continua, no conceito nominal (que inclui os juros da dívida), gastando bem mais do que arrecada - o déficit é de 2,18% do PIB (resultado de fevereiro), já pela nova metodologia. A despesa com juros ainda é elevadíssima - 6,54% do PIB nos 12 meses completados em fevereiro (ou R$ 153,687 bilhões). Os prazos de vencimento da dívida ainda são extremamente curtos e os juros pagos na rolagem dos papéis, os mais altos do mundo.

A solvência do Estado brasileiro melhorou muito nos últimos anos, mas os números mencionados mostram que a necessidade de ajuste das contas públicas continua. Esta é uma obra incompleta. Quando se observa que a qualidade do ajuste piorou de forma sensível no período recente, a partir da combinação perversa de aumento da carga tributária com elevação da despesa pública, percebe-se que toda atenção é pouca.

Os novos dados do IBGE revelam que a carga tributária é menor do que se imaginava - 35,1% em 2006, face aos 38,8% do PIB calculados antes. Isso não diminui a asfixia que o volume de impostos provoca no setor privado. Não deveria servir de inspiração ao governo, portanto, para aumentar a carga novamente, como vem acontecendo de forma ininterrupta no país há 12 anos. O ideal seria aproveitar que a economia está mais vigorosa do que se imaginava e reduzir paulatinamente as despesas para, em seguida, o governo poder aliviar a sociedade do atual volume de impostos.