Título: Produtores rurais temem intervenção
Autor: Felício, César
Fonte: Valor Econômico, 22/03/2013, Internacional, p. A15

O setor rural argentino já teme uma intervenção do governo para tentar brecar uma crise cambial. O receio é o de que a presidente Cristina Kirchner use instrumentos de coerção como dispositivos de uma lei de abastecimento para obrigar os produtores de grãos a acelerar a venda da safra.

O resultado frustrante da balança comercial argentina no primeiro bimestre, com queda no saldo comercial de 61% em fevereiro, e uma manobra desastrada para introduzir mais uma restrição cambial no país fizeram com que as cotações das moedas estrangeiras atingissem padrões inéditos nos últimos 20 anos. Ontem, o dólar no paralelo estava em 8,40 pesos, uma diferença de 64% em relação à cotação oficial de 5,10. O real era vendido a 3,70 pesos, ou 45% a mais que a cotação oficial da moeda brasileira, que é de 2,55. O superávit comercial somado de janeiro e fevereiro foi de apenas US$ 800 milhões e as reservas internacionais caíram para US$ 41 bilhões, o nível mais baixo desde 2007.

De acordo com estimativas da consultoria Analytica, nos dois primeiros meses do ano houve uma liquidação de divisas de exportações do setor rural 23% inferior a de 2012. As avaliações de estoques de livre disponibilidade nas mãos do setor privado giram em torno de 2 milhões de toneladas de soja - uma receita aproximada de US$ 1,3 bilhão. O produtor argentino retém esse resíduo da safra passada esperando melhor preço no mercado internacional e uma cotação mais favorável do peso.

"Alguma coisa será feita no mercado de grãos. Existe no governo o desejo de resgatar o modelo que existiu no tempo de Perón, em que toda a exportação e a importação eram centralizadas em um único instituto, que determinava quem venderia, por quanto e para quem", comentou o produtor de milho Martín Fraguío, gerente geral da entidade patronal que reúne os produtores de milho e sorgo.

A reedição pura e simples da experiência é inviável, já que o governo não dispõe do monopólio de portos e de uma rede de armazenamento como a que havia nos anos 50, mas há instrumentos legais que permitem medidas de força contra agentes que retenham produção a ser exportada.

"O problema é que esse remanescente da safra passada não resolve a escassez de dólares que existe na Argentina. O dólar sobe no mercado informal porque ninguém quer imobilizar capital em peso", comentou o economista Fausto Spotorno, da consultoria Orlando J. Ferreres.

Entre janeiro e março, a cotação do dólar no mercado informal oscilou de 7,50 pesos para 8,40, atingindo um pico de 8,70 pesos, um rendimento de 16%. "Em dez semanas o dólar paralelo rendeu mais do que se espera para qualquer aplicação de prazo fixo em um ano. Fica difícil convencer as pessoas que não se deve pagar qualquer preço que seja para se obter moeda estrangeira", disse Spotorno.