Título: Infra-estrutura pobre encalacra a Índia
Autor: Hamm, Steve
Fonte: Valor Econômico, 02/04/2007, Especial, p. A18

Quando os estrangeiros dizem que Bangalore é a versão indiana do Vale do Silício, eles freqüentemente estão pensando no centro empresarial de alta tecnologia chamado Electronics City. Mas, não importa o quanto os californianos odeiam a congestionada Rota 101, a principal via de acesso ao Vale do Silício, ela nem se compara à estrada Hosur. Esta esburacada rodovia de quatro faixas - o principal acesso à Electronics City - é um caos completo. Carros, caminhões, ônibus, motocicletas, táxis, riquixás, vacas, burros e cachorros disputam cada centímetro da rodovia enquanto as buzinas fazem barulho e os freios "cantam". Os motoristas cruzam o sinal vermelho e enfiam seus veículos no primeiro espaço disponível, ignorando os pedestres.

Passe pelos muros de concreto de dois metros de altura, entrando em Electronics City, e o ruído mais alto que você vai ouvir é o canto dos pássaros e o zumbido dos carros elétricos que levam os visitantes de um prédio de aço e vidro para outro. Jovens, homens e mulheres, andam pelos caminhos bem cuidados que circulam os 80 acres arborizados do lugar ou pedalam pelas ruas bem asfaltadas.

Com o transporte coletivo praticamente inexistente em Bangalore, a companhia indiana Infosys Technologies gasta US$ 5 milhões por ano com ônibus, minivans e táxis para transportar 18 mil funcionários de casa para a Electronics City e vice-versa. E os congestionamentos significam que os trabalhadores podem gastar mais de quatro horas no trânsito todos os dias. "A Índia investiu pouco em infra-estrutura durante 60 anos e estamos defasados em relação ao que precisamos em 10 ou 12 anos", diz T.V. Mohandas Pai, diretor de recursos humanos da Infosys.

A indústria de serviços de alta tecnologia da Índia vem movimentando a economia do país. O crescimento este ano supera os 9%. Empresas como Wal-Mart, Vodafone e Citigroup estão apostando muitos bilhões de dólares no país, atraídas por sua classe média de 300 milhões de pessoas. Apesar de uma queda recente, o índice Sensex da Bolsa de Valores de Bombaim (Mumbai) está em disparada, com alguns preços tendo dobrado nos últimos 12 meses.

Mas esse boom econômico está sendo construído sobre alicerces instáveis. O país precisa desesperadamente de rodovias, pontes e aeroportos modernos, fontes de energia confiáveis e água potável. E o que já existe está literalmente se desfazendo. Somente os prejuízos econômicos com os congestionamentos e as estradas mal conservadas chegam a US$ 6 bilhões por ano, diz Gajendra Haldea, consultor da Comissão de Planejamento, órgão do governo federal.

Apesar de toda a sua importância, o setor de serviços de tecnologia emprega apenas 1,6 milhão de pessoas e não depende de estradas e pontes em bom estado. A Índia precisa de um boom no setor industrial se quiser aumentar suas exportações e criar empregos para os 10 milhões de jovens que entram no mercado de trabalho a cada ano. De repente, a importância de uma boa infra-estrutura é bem maior. Mesmo assim, o setor industrial é prejudicado por rodovias congestionadas onde a velocidade média dos veículos é de apenas 30 km/h. Alguns portos dependem de exércitos de trabalhadores para descarregar caminhões e carregar navios. No Estado de Maharashtra, as grandes cidades ficam sem energia um dia por semana para aliviar a pressão sobre o sistema elétrico. Funcionários do governo ficaram chocados no ano passado quando a Intel escolheu o Vietnã como local para uma unidade de montagem de chips. A Intel não quis falar sobre o assunto, mas gente do setor diz que a Índia perdeu a disputa por não ter fontes confiáveis de energia e água.

Some todos esses problemas e você entenderá por que as exportações da Índia representam menos de 1% do comércio mundial, em comparação aos 7% da China.

O déficit de infra-estrutura é tão crítico que poderá até impedir a Índia de obter a prosperidade que finalmente parece estar ao seu alcance. Sem um fornecimento de energia e água confiável e uma rede de transporte moderna, o abismo entre a elite endinheirada e os 800 milhões de pobres continuará aumentando, com o potencial de desestabilizar o país.

Jaddish Bhagwati, professor da Universidade de Columbia , calcula que o crescimento do PIB seria dois pontos percentuais maior se o país tivesse estradas e ferrovias decentes e energia suficiente. "Estamos no limite", diz Kamal Nath, ministro da Indústria da Índia.

Os problemas estão até mesmo contribuindo para o aquecimento excessivo da economia. A inflação deu um repique na primeira semana de fevereiro, para 6,7% (o maior nível em dois anos), graças em parte aos gargalos provocados pela rede de transportes ruim. Até 40% da produção agrícola é perdida, apodrecendo no campo e no transporte, o que contribui para o aumento dos preços de produtos como cebola e lentilhas.

A Índia está hoje onde a China estava há uma década. Na época, a economia chinesa começava a crescer aceleradamente, mas suas estradas e redes de fornecimento de energia não estavam à altura da tarefa. Então, o governo chinês lançou uma iniciativa maciça de melhoria, construindo mais de 40 mil quilômetros de rodovias que hoje cruzam o país e são tão boas quanto as melhores rodovias dos EUA ou da Europa. A Índia, por outro lado, possui apenas 6 mil quilômetros dessas rodovias.

A liderança da China em infra-estrutura provavelmente vai aumentar. O governo despeja cerca de 9% do PIB do país em obras públicas, em comparação a 4% do governo indiano. E como tem um governo autoritário, a China consegue resultados com maior rapidez. "Se você precisa construir uma rodovia na China, apenas um punhado de pessoas precisa tomar a decisão", afirma Daniel Vasella, diretor-presidente da gigante farmacêutica Novartis. "Se você quiser construir uma rodovia na Índia, são precisos dez anos de discussões antes de uma decisão."

Parte da culpa é da democracia instável da Índia. Os partidos políticos normalmente ficam no poder por um período de cinco anos, antes que os eleitores descontentes, atraídos por promessas populistas da oposição, os substituam.

Depois, há o "derrame" - eufemismo usado na Índia para a corrupção desenfreada. Quase todos os setores do governo estão envolvidos na corrupção, dos policiais de bairro a burocratas distritais e ministros de Estado. Os motoristas de caminhão da Índia pagam cerca de US$ 5 bilhões em propinas todos os anos, segundo a Transparência Internacional.

Felizmente, depois de décadas de investimentos insuficientes e inércia política, líderes políticos indianos acordaram para a magnitude da crise de infra-estrutura. Um punhado de grandes projetos estão concluídos ou sendo tocados. A primeira fase de um novo metrô em Nova Déli foi concluída no fim de 2005, dentro do orçamento e antes do prazo. E novos aeroportos estão sendo construídos em Bangalore e Hyderabad. "Precisamos melhorar a qualidade de nossa infra-estrutura", disse o premiê Manmohan Singh. "É uma prioridade de nosso governo."

Singh, na verdade, está prometendo um esforço comparável ao Plano Marshall. O governo estima que organizações públicas e privadas vão aplicar entre US$ 330 bilhões e US$ 500 bilhões nos próximos cinco anos em rodovias, geração de energia, portos e aeroportos. Além disso, grandes conglomerados já prometeram reorganizar o setor varejista. Isso vai exigir melhorias de infra-estrutura em toda a cadeia de distribuição de alimentos, das fazendas às prateleiras das lojas.

Vislumbrar uma nova Índia é a parte fácil; pagar por isso é outra história. Por necessidade, uma vez que a dívida pública do país está em 82% do PIB, a 11ª pior classificação no ranking mundial, grande parte do dinheiro para esses novos projetos terá de vir de fontes privadas. Mesmo assim, a Índia captou apenas US$ 8 bilhões em investimentos estrangeiros diretos no ano passado, comparado aos US$ 63 bilhões da China. "Ter planos grandiosos não é suficiente", diz T.N. Srinivasan, professor de economia da Universidade Yale.

Praticamente todas as companhias estrangeiras que operam na Índia têm a contar uma história de horror sobre as dificuldades de fazer negócios no país. A Nokia viu milhares de seus celulares arruinados em outubro, quando um carregamento que saiu de sua fábrica em Chennai foi molhado pela chuva porque não havia espaço para armazenar as caixas com os aparelhos no aeroporto local. A Maruti Suzuki do Japão diz que o transporte de seus automóveis pelos 1,5 mil quilômetros que separam sua fábrica em Gurgaon até o porto de Mumbai pode levar até dez dias. Isso ocorre em parte por causa dos atrasos nas três fronteiras estaduais existentes ao longo do caminho, onde os motoristas ficam retidos enquanto fiscais investigam a papelada. Mas isso também acontece porque grandes caminhões são impedidos de circular nas cidades congestionadas da Índia durante o dia, quando podem provocar ainda mais congestionamentos. Uma vez no porto, os automóveis da montadora japonesa podem esperar semanas pela partida do próximo navio, já que não há espaço de atracação suficiente.

As chuvas de verão também contribuem para o caos. Até mesmo chuvas relativamente leves podem sufocar redes de esgoto, inundar ruas e paralisar uma cidade, enquanto as chuvas mais pesadas são devastadoras.

Normalmente as companhias não têm escolha a não ser tentarem se virar em situações ruins. A Cisco Systems, a gigante americana dos equipamentos de rede, possui um escritório de pesquisa e desenvolvimento na Índia desde 1999 e já conta com 2 mil engenheiros no país. Para atender ao setor de telecomunicações, que vem crescendo muito, a Cisco decidiu no ano passado tentar produzir algumas peças localmente. Em dezembro, contratou outra companhia para fabricar telefones celulares que operam via Internet na cidade de Chennai, no sudeste do país. Embora a Cisco alegue que a qualidade da mão-de-obra esteja à altura da tarefa, ela precisa importar peças para o país por via aérea porque os portos são muito lentos. "Nós acreditamos na produção na Índia, mas não acreditamos na logística na Índia - ainda", diz Wim Elfrink, diretor da Cisco.

Até mesmo a maior fabricante de equipamentos de infra-estrutura do mundo é prejudicada pelos problemas estruturais da Índia. No ano passado, a General Electric (GE) vendeu equipamentos avaliados em US$ 1,2 bilhão, como turbinas para geração elétrica e locomotivas, na Índia, mais que o dobro do número de 2005. Para atender à alta demanda, ela está se esforçando para encontrar um local onde fabrique locomotivas em parceria com a India Railways.

Mas quando a GE enviou três funcionários para pesquisar o local de instalação preferido da companhia ferroviária, no Estado de Bihar, no norte do país, o trio retornou desanimado. Foi preciso cinco horas para percorrer, de automóvel, os 80 quilômetros que separavam o aeroporto do local, e quando eles lá chegaram, não encontraram nada. "Nenhuma rodovia, nada de energia, nada de escolas, água, hospitais, moradias", diz Pratyush Kumar, presidente da GE Infrastructure na Índia. "Teríamos que criar tudo do zero", incluindo muitos quilômetros de ferrovias para fazer as locomotivas chegarem às linhas principais.

Mas há algo de bom nisso para a GE e outras gigantes internacionais: o déficit de infra-estrutura da Índia poderá render oportunidades enormes. Executivos americanos que viajaram para a Índia em novembro, na maior missão comercial já feita ao país pelos EUA, ficaram encantados com as possibilidades. Jennifer Thompson, diretora de planejamento internacional da Oshkosh Truck, visitou projetos de construção onde inúmeros trabalhadores carregavam baldes de concreto nas costas. Aquilo mostrou a ela que existe um grande potencial na Índia para a venda de caminhões betoneira da Oshkosh. "Há desafios de infra-estrutura, mas podemos ver muitas oportunidades para ajudá-los a superar esses desafios", diz ela.

Isso explica por que tantas multinacionais estão se dirigindo para a Índia. Tome por exemplo a construção de hotéis; num país com apenas 25 mil quartos de hotéis para turistas (comparado a mais de 140 mil somente em Las Vegas), companhias como a Hilton, Wyndham e Ramada têm planos de construir 75 mil quartos.

Considere o setor de telecomunicações. Por causa da desregulamentação e da demanda desenfreada, a Índia tem o maior crescimento na área de serviços de telefonia celular do mundo, com companhias agregando 6 milhões de novos clientes a cada mês.

Mas, embora as leis da oferta de da procura afirmem que o atraso da Índia em infra-estrutura pode ser recuperado, essa lógica ignora o efeito corrosivo dos políticos do país. Para ganhar a preferência dos eleitores, políticos indianos há muito tempo subsidiam energia e água para os agricultores, uma política que vem desencorajando os investimentos privados nesta área. Foi isso que aniquilou a hoje infame usina de geração de eletricidade Dabhol Power. Nos anos 90, a Enron, a GE e a Bechtel gastaram US$ 2,8 bilhões na construção de um enorme complexo perto de Mumbai, para produzir mais de 2 mil megawatts de eletricidade.

Mas uma autoridade governamental do setor de energia estabeleceu preços tão baixos que tornou a Dabhol inviável economicamente e todo o negócio se desfez.

Uma lei foi criada em 2001 para criar um modelo que desse suporte aos investimentos privados em geração de energia. Mas segundo executivos de uma companhia americana do setor da construção, ela não está funcionando bem. "Todo mundo sabe o que precisa ser feito, mas eles têm grandes dificuldades em fazer as coisas", diz um dos americanos. "Se a oposição oferece energia subsidiada, o partido no poder precisa dar energia subsidiada para ser reeleito."

Políticos que se recusam a participar do jogo pagam um alto preço. N. Chandrababu Naidu, ex-governador de Andhra Pradesh, transformou a capital, Hyderabad, de um lugar atrasado em um destino high-tech ao construir novas rodovias, modernizar outras e conseguir terras para a construção de fábricas e centros empresariais. Google, IBM, Microsoft e Motorola construíram unidades de pesquisa e desenvolvimento lá.

Sua recompensa? Os eleitores o tiraram do cargo dois anos atrás. Durante os dez anos que passou no poder, Naidu não fez o suficiente pelas áreas rurais, e seu opositor prometeu canalizar recursos estaduais para projetos de irrigação e subsídios à energia elétrica. "Naidu pensou que a economia era mais importante que a política. Ele estava errado", diz V.S. Rao, diretor do Birla Institute of Technology & Science de Hyderabad.

Mas mesmo quando os políticos afirmam estar dando mais importância à infra-estrutura, isso raramente ajuda os indianos mais pobres. A agricultura está estagnada em parte devido à falta de rodovias, mesmo as mais rudimentares, através das quais se possa chegar às áreas rurais e transportar os produtos para os centros maiores.

Um dos motivos de pouca ajuda prática dos gabinetes do poder chegar às vilas empobrecidas da Índia, é que muito dinheiro é desviado ao longo do caminho. Com funcionários públicos corruptos pipocando a cada esquina, muitos projetos de obras públicas estouram os orçamentos ou nunca são concluídos. "Pode-se dizer que 25% dos custos vão para a corrupção", afirma Verghese Jacob, presidente da Byrraju Foundation, que promove o desenvolvimento rural.

Nenhuma das soluções para os desafios de infra-estrutura da Índia é simples, mas líderes empresariais, alguns membros do governo mais esclarecidos e até mesmo cidadãos comuns estão se esforçando para melhorar as coisas. A arma mais potente que os reformistas indianos têm contra a corrupção é a transparência. Em outubro, uma nova lei de direito à informação entrou em vigor, exigindo que tanto o governo central como os governos estaduais divulguem informações sobre contratos, contratações e gastos para qualquer cidadão que solicitar essas informações. O país também está usando sua ampla perícia tecnológica para policiar o governo.

E, cada vez mais, empresas que tentam crescer na Índia têm o governo como um parceiro disposto, em vez de um obstáculo.

A chave para tirar grandes projetos do papel são as parcerias público-privadas em que o governo e as empresas dividem os custos, riscos e recompensas. Em 2005, a Índia aprovou uma lei inovadora permitindo a membros do governo recorrerem a essas parcerias em iniciativas de infraestrutura. Os incorporadores entram com a maior parte do dinheiro, recolhem pedágios ou outros tipos de taxas e em algum momento transferem as instalações para o governo.

O primeiro projeto a aproveitar a nova lei é o aeroporto internacional avaliado em US$ 430 milhões que deve começar a operar em Bangalore no ano que vem. A obra foi projetada para acomodar 11,5 milhões de passageiros por ano - quase o dobro da capacidade do superlotado aeroporto existente. Ele será controlado por uma companhia privada, que o devolverá para o Estado de Karnataka depois de 60 anos. A gigante global da engenharia e equipamentos Siemens está ajudando a construir a obra e a Unique da Suíça vai administrá-la. Essas companhias também são investidores no capital. O Estado teve que contribuir com apenas 18% dos custos. Sem um acordo como esse, Karnataka não estaria ganhando um novo aeroporto.

Se o país não se livrar do legado da burocracia, da política e da corrupção, sua capacidade de construir uma infra-estrutura adequada continuará em dúvida. Assim como deu destino econômico.