Título: Bolsa terá nova regra após abrir seu capital
Autor: Valenti, Graziela
Fonte: Valor Econômico, 02/04/2007, Finanças, p. C1

O mistério a respeito do funcionamento do mercado de valores mobiliários e de mercadorias depois da abertura de capital da Bovespa deve começar a ser resolvido nas próximas semanas. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) colocará em consulta pública nas próximas semanas a norma que disciplinará o funcionamento das bolsas e substituirá a resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN), que atualmente rege o assunto.

As dúvidas existem porque hoje a Bolsa paulista se auto-regula, o que pode ser feito por tratar-se de uma entidade sem fins lucrativos. No entanto, a partir do momento que se tornar uma sociedade aberta e com objetivo de dar lucro, a praça paulista não poderá mais exercer esse papel. Ao menos, não da mesma forma.

Apesar de inicialmente parecer conflitante, o presidente da CVM, Marcelo Trindade, reforça que a desmutualização estimulará o ambiente de auto-regulação, e não o contrário.

Ele explica que a seriedade e a credibilidade se tornarão um ativo e agregarão valor à Bolsa. Portanto, haverá uma preocupação com essas questões. Internacionalmente, a questão da regulação foi resolvida das mais diversas maneiras e não há uma receita única a seguir.

Marcelo Trindade diz que não será imposto nenhum modelo pré-determinado. A única exigência é que haja independência. Dessa forma, a fiscalização poderá ser tanto interna quanto externa. "O importante é que funcione. Para essas bolsas, uma auto-regulação adequada, inclusive com punições muito mais intensas que as de hoje, passa a constituir um ativo."

No entanto, a vaga de regulador está disponível apenas aparentemente. A Associação Nacional das Corretoras de Valores, Câmbio e Mercadorias (Ancor) já tomou as providências para assumir esse posto e atuar como o Conselho de Auto-regulação publicitária (Conar) no segmento de marketing. "Não é uma determinação da autoridade (CVM), mas uma conquista", afirmou o presidente do conselho da organização, Homero Amaral Júnior.

Ele contou que já foram adotadas diversas iniciativas nesse sentido. A primeira foi a contratação de um escritório de advocacia que assessorasse essa fase: o Bocater, Camargo, Costa e Silva Advogados Associados.

Em 26 de fevereiro, a associação realizou uma mudança em seu estatuto, para permitir a profissionalização de sua atuação. Foram criados cargos executivos na Ancor, independentes ao conselho de administração - antes único órgão gestor da entidade.

Vale ressaltar, porém, que a associação poderá fiscalizar apenas os que forem associados, funcionando como um selo de garantia para os consumidores. O novo presidente será eleito em reunião no próximo dia 11 de abril. Para o corpo diretor, serão contratados profissionais de mercado.

Esses executivos terão como responsabilidade criar e gerir comitês de ética a serem formados dentro da estrutura da Ancor. Caberá a esses colegiados desenvolver os códigos de conduta que irão reger a atuação das corretoras e distribuidoras de valores, câmbio, mercadorias e também dos agentes autônomos.

Caberá à CVM fiscalizar o bom funcionamento do sistema de regulação que for implantado com a desmutualização das Bolsas. Inicialmente, tal tarefa poderá ser mais um ônus à autarquia. Entretanto, Trindade acredita que, no longo prazo, a necessidade de eficiência tornará o trabalho mais simples. "O risco para a Bolsa de falha na auto-regulação passa a ser algo o que afeta o lucro de acionistas que pagaram para ser sócios e querem retorno", diz o presidente da autarquia. Com isso, haverá interesse na garantia da eficiência.

O presidente da CVM entende que o Novo Mercado da Bolsa paulista é um bom exemplo de maior valor pelo aumento do rigor nas regras. A garantia de melhor práticas, por um ambiente de negociação mais exigente, trouxe mais investidores e, consequentemente, novas companhias e receitas à Bovespa.

Além de se estruturar internamente, a Ancor também buscou ajuda externa para entender quais as conseqüências para o mercado das corretoras do processo de desmutualização.

O atual presidente do conselho da associação aposta que haverá uma grande profissionalização desse ramo. "A ordem do jogo será inversa. Hoje, a Bolsa está a serviço das corretoras. Depois, ela vai querer que as corretoras estejam a seu serviço e exigirá qualidade dos distribuidores."

Para as corretoras que são ligadas a grandes instituições financeiras, a mudança será menor. No entanto, para as instituições independentes, os reflexos são mais profundos.

De um lado, os donos dessas instituições terão uma monetização substancial, pois a carta-patente que possuem para atuar no mercado será transformada em ações, ativos líquidos.

Por outro, a assistência hoje prestada pela Bolsa, inclusive na forma de recursos para modernização, deixará de existir. Haverá também uma concorrência maior, uma vez que novos interessados poderão pedir licença para atuar como corretor.

Amaral Júnior acredita que apenas uma fatia das corretoras está preparada para esse cenário. Por isso, a Ancor quer estar pronta para as movimentações de mercado que eventualmente ocorrerem com a desmutualização das Bolsas.

O resultado poderá ser desde a consolidação das pequenas instituições independentes até o fortalecimento de atividades das nacionais que souberem se posicionar ou a conquista de espaço por corretoras estrangeiras que poderão vir a atuar no País.

A expectativa é que tal estudo esteja concluído dentro de um a dois meses. Amaral Júnior preferiu não relevar o nome da consultoria escolhida para a pesquisa.