Título: Fundos além das fronteiras
Autor: Pavini, Angelo e Fariello, Danilo
Fonte: Valor Econômico, 02/04/2007, EU & Investimentos, p. D1

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) amenizou, mas manteve as restrições para os fundos de investimento aplicarem em papéis privados, conforme a Instrução 450, divulgada na sexta-feira, e que passa a regulamentar o setor. Ao mesmo tempo, liberou a aplicação de parte dos recursos dos fundos no exterior, e quer criar sistemas para cobrar mais cuidado dos bancos ao oferecer as aplicações certas ao perfil de cada cliente.

As medidas visam ajustar o setor à maior diversificação e busca por risco que já está ocorrendo com a queda dos juros na economia brasileira, como mostra o panorama anual do setor de fundos, também divulgado pela CVM na sexta-feira. Segundo o estudo, o número de carteiras multimercado ao varejo saltou de 62 em 2005 para 114 no ano passado. Os fundos de ações para esse perfil também cresceram, de 101 para 128. O número de cotistas dos multimercados, de todos os perfis, pulou a 446 mil, 89% mais do que no ano anterior. No entanto, considerando todo o setor, o número de cotistas manteve-se praticamente estável em 10 milhões de contas.

A nova instrução, que substituirá a 409, de agosto de 2004, fixou um limite de 50% para papéis privados em carteiras de renda fixa de varejo. A proposta inicial da CVM era de limitar a 30% essa parcela, o que provocou protestos de gestores, bancos e empresas na época. Com isso, fundos para pequenos investidores que tenham mais da metade da carteira em papéis privados terão de colocar no nome a expressão "Crédito Privado" e no material publicitário e nos prospectos deverão constar o alerta que o investidor poderá perder parte do patrimônio caso os devedores dêem calote. O aplicador terá de assinar ainda um termo que está ciente do risco.

Foi criado um limite mais rígido, de 5% por emissor para papéis de pessoas físicas (como Cédulas do Produto Rural, CPRs) e jurídicas não financeiras que não sejam companhias abertas (como Cédulas de Crédito Bancário, CCBs). Antes, somente eram aceitos papéis de empresas de capital aberto ou garantidas por bancos.

Já os papéis emitidos por instituições financeiras, como CDBs, terão limite de 20% por emissor. Títulos de empresas abertas, como debêntures, terão limite de 10%. Com isso, a CVM tenta reduzir o risco de repetição de casos como o do Banco Santos, cujos fundos estavam cheios de CCBs e CPRs sem aviso aos investidores.

Outra novidade é que os fundos renda fixa e multimercados poderão aplicar até 20% da carteira em outros ativos que vão desde cotas de outras carteiras até fundos imobiliários, de direitos creditórios (FIDCs) e certificados de recebíveis imobiliários (CRIs). Fundos DI e curto prazo passarão a divulgar suas carteiras a cada 30 dias, e não mais 90. Já para os multimercados, o prazo passará de 90 para 180 dias nos casos autorizados pela CVM. A medida permite a gestores de fundos mais agressivos proteger sua estratégia por mais tempo.

Embora o texto amplie o universo de aplicações, a CVM também exigirá dos administradores e gestores maior responsabilidade com relação ao investidor. Para isso, está colocando em audiência pública mudanças que obrigarão o gestor ou administrador a verificar o perfil do investidor antes de oferecer um fundo, a chamada "suitability". Eles terão de listar, provavelmente com um questionário, um perfil mais profundo dos investidores com dados como renda e tolerância a riscos.

A instrução dá carta branca para os fundos exclusivos ou destinados a investidores qualificados com aplicação mínima acima de R$ 1 milhão para aplicarem onde quiserem, sem limites.

Uma grande novidade é a autorização para fundos de varejo aplicarem até 10% no exterior, percentual que sobe para 20% no caso dos multimercados. Hoje, somente os Fiex podem investir lá fora e, mesmo assim, apenas em papéis do governo brasileiro. Será preciso, porém, mudar a legislação cambial brasileira, o que já está sendo negociado com o Banco Central. A CVM colocará em audiência pública uma proposta para a criação de fundos que possam ter 100% dos recursos no exterior.

A avaliação inicial é que a instrução é muito positiva, afirma Marcelo Giufrida, vice-presidente da Associação Nacional dos Bancos de Investimento (Anbid). "Há um grande avanço, especialmente em relação a essa liberação para investimentos no exterior, muito oportuna em um momento em que a integração do Brasil no mercado internacional é cada vez maior."

Além disso, a instrução cria uma série de responsabilidades para o administrador e obriga a divulgação mais freqüente de fatos relevantes. Giufrida considerou a questão dos limites de aplicação em papéis privados "bem resolvida". "O fundo terá de alertar o investidor se tiver carteira com a maioria em papéis privados e há ainda um limite para os papéis exóticos, de 5% por emissor", diz.

A CVM acertou na dosagem entre restrição de aplicação dos fundos em papéis privados e maior transparência, diz Rafael Maradei, advogado da área de banking e mercado de capitais do Barbosa, Müssnich & Aragão. "Dentro de um cenário de queda dos juros, há maior busca por risco, mas isso não pode ser feito de maneira irresponsável", afirma. "O banco não pode ficar vendendo qualquer coisa".

A aplicação no exterior acompanha a tendência do mercado, de caminhar para uma maior internacionalização, além de ampliar o acesso a novos tipos de investimento, afirma José Eduardo Carneiro Queiroz, sócio do escritório Mattos Filho Advogados.

Já no caso dos papéis privados, a 450 é muito restritiva, afirma ele, defendendo que a decisão do tipo de ativo e de risco deveria ser tomada pelo investidor, e não pelo regulador. "A política antes era de dar maior liberdade com responsabilidade, mas estamos voltando para o modelo da restrição". Ele aponta ainda distorções importantes criadas pela regra. "Será que uma nota promissória da Ford do Brasil, uma empresa fechada, cuja participação no fundo está limitada a 5% da carteira, tem um risco maior que muitas companhias abertas que existem por aí e que podem chegar a 10%?". Ele não sabe também se o fato de mencionar não só os riscos, mas como eles são calculados, fará diferença. "Como o investidor comum vai entender o cálculo do 'Value at Risk' (VaR)?" Queiroz lamenta também que, pelas restrições, o investidor mais esclarecido, mas com menos recursos, só terá acesso a fundos de menor risco e de menor retorno.