Título: Perigos na trilha do Tesouro
Autor: Felipe Frisch
Fonte: Valor Econômico, 12/01/2005, Eu &, p. D1

O"blecaute" parcial das operações do Tesouro Direto - sistema de compra e venda de títulos públicos federais via internet para pessoas físicas -na semana passada chamou a atenção para os riscos envolvidos nesse tipo de operação. Apesar de ser conhecido e divulgado como o investimento com menores chances de perdas - por permitir aplicar nos mesmos títulos que fundos de renda fixa e bancos compram -, um estudo de pesquisadores do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec) conclui que o sistema brasileiro apresenta os maiores riscos operacionais entre os países que oferecem sistemas semelhantes. O diretor do Ibmec-Rio Antonio Duarte e o mestre em economia pela instituição Leonardo Bastos analisaram 12 itens do sistema dos Estados Unidos, com o seu "TreasuryDirect", e do espanhol "Tesoro.es". Eles permitem a venda de títulos públicos diretamente a pessoas físicas fora do segmento private, ou seja, com menos recursos. O Brasil levou a nota "moderado" - a de maior risco na classificação- em dois tópicos, enquanto Estados Unidos e Espanha não tiveram em nenhum item a mesma classificação. Já a nota "muito baixo", o Tesouro Direto só levou em quatro avaliações, ante nove e oito dos outros países. Os pontos avaliados vão da liquidação à obsolescência do mecanismo utilizado. É nos quesitos risco sistêmico e presença de terceiros na transação que o Brasil tem as piores avaliações. No primeiro, considera-se a credibilidade do país perante investidores e intermediários, com medo de quebra de contrato ou mudanças radicais no âmbito político. Por conta da moratória brasileira nos anos 80, o próprio custo da dívida ainda é elevado, lembram os pesquisadores. "Mesmo na última eleição presidencial, teve candidato em segundo nas pesquisas com lema de não pagar a dívida", diz Duarte. Já no item "risco de terceiros", o estudo cita o Tesouro Direto como o mais dependente de terceiros não-governamentais, no caso a Companhia Brasileira de Liquidação e Custódia (CBLC), não só como liquidante, mas como proprietária e gerenciadora do sistema operacional. Foi justamente um problema de atualização de software na segunda-feira da semana passada que impediu investidores de negociarem títulos. A diretora de operações da CBLC, Amarilis Sardenberg, considera comum a discussão sobre o aumento de riscos com a terceirização, mas que nesse caso é apenas "teórico". "Não é especialização do Tesouro fazer custódia", diz. Com relação ao problema da semana passada, ela diz que atualizações são freqüentes e normalmente nem percebidas. Dessa vez, as operações ficaram lentas em algumas instituições, mas já voltaram ao normal. O secretário adjunto do Tesouro, José Antonio Gragnani, descarta mudanças no curto prazo no sistema que, na opinião dele, funciona bem desde 2002. Outra intermediação que é apontada como prejudicial pelos acadêmicos é a dos 70 agentes de custódia - bancos e corretoras. "Um número grande facilita a distribuição dos títulos (investidores podem usar o cadastro que possuem nas instituições), mas inclui corretoras menores", diz Duarte. Nesse caso, há risco de fraude ou de quebra do agente durante o tráfego do dinheiro do investidor para a corretora e dela para a CBLC. Até a conta-investimento, os títulos eram pagos via boleto bancário - havia uma taxa de 0,03% para isso - e o dinheiro ia direto para o Tesouro, havendo menos envolvidos. Possivelmente para compensar os riscos e popularizar os papéis federais, o sistema brasileiro parece ser o mais prático. O governo americano exige o envio de formulário pelo correio para a Secretaria do Tesouro pedindo abertura da conta de custódia. Já o mecanismo espanhol prevê instalação de software específico - aumentando o risco de obsolescência segundo os pesquisadores - e a senha de acesso só é obtida pessoalmente em alguma sucursal da Fazenda. Uma vantagem clara do sistema brasileiro é a garantia de venda dos títulos ao governo nos leilões de recompra às quartas-feiras, "com um pequeno 'spread' (diferença) sobre os preços de compra", diz o estudo. O sistema americano promete apenas os "melhores esforços" por parte do banco oficial, o Federal Reserve Bank of Chicago, para "obtenção das melhores condições possíveis" na colocação dos títulos no mercado. Na Espanha, são cinco corretoras em rodízio - as mesmas que vendem os títulos para os investidores - que fazem este trabalho, mas também de acordo com condições de mercado. "Se o Brasil quiser ser rigoroso, pode copiar o modelo de um desses países, mas, se aumentar as restrições, o interesse pode ser ainda menor", diz.