Título: Governo demora a agir e crise aérea se agrava
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Fonte: Valor Econômico, 03/04/2007, Opinião, p. A14

Passageiros desnorteados, aviões no chão, 47 aeroportos parados e o governo ausente de Brasília - sexta-feira, 30 de março, foi o auge da crise aérea. Como todo problema que não é resolvido a tempo, o apagão aéreo não apenas ampliou o número de vôos cancelados e de consumidores aflitos, mas provocou uma colisão séria entre o governo e o comando militar da Aeronáutica. Ao agir tardiamente, o governo se viu diante da absoluta falta de opções para enfrentar as reivindicações dos controladores de vôo, em greve branca. Nos radares do governo não havia nada parecido com uma crise política. Sem a negligência com que tratou o assunto, ele agora esforça-se para impedir uma.

Há cinco meses que o transporte aéreo vive uma situação de caos. Desde a queda do Boeing da Gol, com 154 passageiros a bordo, o sistema aéreo entrou em pane e não se recuperou. Todos os problemas que se repetiram, de forma agravada, na sexta-feira passada, estavam presentes desde o início. Há controladores de vôo insatisfeitos com seus salários e com a carga de trabalho, há sobrecarga para as companhias aéreas, com a drástica redução de oferta de vôos pela Varig, e há um crescimento forte e contínuo da demanda por serviços aéreos. Desde 27 de outubro, há cinco meses, quando os controladores iniciaram sua operação padrão, era possível colocar em prática esquemas de emergência para minimizar os efeitos da crise, e era possível desenhar os contornos de uma solução, que não é uma tarefa simples.

Desde o fim do ano passado que as soluções, em tese, foram esboçadas, mas nada saiu do papel. Formou-se um consenso de que era necessário desmilitarizar o controle aéreo e, talvez por temor de melindrar os militares, nenhuma atitude nesta direção foi tomada. Os controladores reclamaram, com alguma razão, da enorme concentração do Cindacta-1, que controla Brasília, São Paulo, Rio, Minas e a maior parte do Centro-Oeste. A Aeronáutica não se moveu um milímetro para isso. Panes sucessivas dos equipamentos foram seguidas de relatórios nada conclusivos e confusos.

Não há qualquer justificativa para a incompetência operacional do governo. Ele acabou fazendo de afogadilho, em piores condições, tudo aquilo que poderia ter feito antes, com planejamento, calma, melhores resultados e menos ruídos políticos. Se a desmilitarização foi colocada em banho-maria para não atiçar animosidades na Aeronáutica, a ordem do presidente Lula de que se negociasse com os controladores de vôo - 18 dos quais já haviam recebido ordem de prisão do ministro da Aeronáutica -, causou maior surpresa e indignação. Não há dúvidas de que os controladores não poderiam fazer greve e de que desrespeitaram a hierarquia ao se insubordinar.

Colocado em xeque com os aeroportos parados, o governo passou a idéia de que premiou baderneiros que realizavam um ato ilegal, cedendo a vários de seus pedidos. Foi acertado que os controladores passarão para a esfera civil e serão vinculados a um órgão ligado ao Ministério da Defesa. Terão também gratificação e um plano de carreira, além de terem anuladas as punições que sofreram. Era possível atender parte das reivindicações com todo mundo trabalhando, os aeroportos em ordem e um diálogo produtivo aparando as devidas arestas.

Por outro lado, é um exagero pintar o que é fruto de inépcia com as cores de uma crise institucional. Uma vez que nenhuma solução fora dada para o apagão, quando o sistema entrou em colapso situações de força e autoridade poderiam agradar a muitos, mas, cabalmente, não trariam os aviões de volta aos ares e os aeroportos à normalidade. A prisão dos controladores radicalizaria o movimento e, dado que eles têm o monopólio do conhecimento - não há substitutos em número suficiente - provavelmente o sistema aéreo ficaria paralisado não por horas, mas por dias a fio. Diante de fatos consumados, só a negociação permitiria a retomada dos vôos.

O grave foi o governo, o que obviamente inclui a Aeronáutica, ter deixado a crise atingir as proporções que atingiu e não ter - todos os setores afetados - adotado uma estratégia única para agir diante dela. Já passou a hora de rodeios e evasivas. Com tantas turbulências no ar, a segurança do sistema aéreo pode ter se tornado mais vulnerável.