Título: Bancos internacionais com regulador único
Autor: Munchau, Wolfgang
Fonte: Valor Econômico, 03/04/2007, Opinião, p. A15

Uma das minhas fontes mais confiáveis em Bruxelas me alertou há algum tempo que a supervisão bancária deverá se tornar o próximo tema polêmico em política econômica. Eu estava um pouco cético à época, uma vez que a regulação financeira tende a ser um assunto bastante técnico, um tanto distante do debate público.

Agora, porém, a avaliação do meu interlocutor parece ser razoável, num momento em que a União Européia se vê obrigada a tomar decisões sobre a regulação de bancos internacionais que se fundiram, como o Unicredit/HVB ou o BNP Paribas/Banca Nazionale del Lavoro. A abordagem atual da Europa com respeito a esse problema é a de estabelecer uma grande quantidade de comitês com nomes pomposos parecidos para coordenar os supervisores nacionais.

Talvez seja um comentário inclemente de se fazer, mas me parece que o propósito de manter a regulação do sistema bancário ancorada no nível nacional é, em parte, motivado pelo desejo de manter as pessoas empregadas. Num mercado bancário europeu cada vez mais integrado, a regulação eficaz está se tornando mais difícil - e o problema tende a se agravar ainda mais.

Não deveremos nos surpreender, portanto, com o fato de os bancos terem encontrado formas de explorar essa situação bastante confusa. Quando o Barclays anunciou no mês passado que estava em negociações para comprar o ABN Amro, ele declarou que as discussões haviam começado para assegurar que o banco central holandês pudesse atuar como um regulador condutor para o grupo combinado. Em outras palavras, os dois bancos estiveram negociando sobre quem os regula. Isso diz muito sobre o estado da supervisão do sistema bancário na Europa.

Com a chegada do euro, a responsabilidade pela política monetária foi transferida dos bancos centrais nacionais para o Banco Central Europeu. Isso, porém, não se aplicou aos supervisores do sistema bancário, que permaneceram sob controle nacional - ou com os próprios bancos centrais ou com agências supervisoras independentes.

O mundo mudou desde então. A fatia de mercado dos bancos internacionais aumentou constantemente desde 1999. De 2000 a 2004, as fusões e aquisições (F&A) dos bancos internacionais foram responsáveis por apenas 14% de toda a atividade de F&A na zona do euro. Entre 2005 e 2006, esta proporção subiu para 38%. De acordo com um levantamento de 2005, existem 33 bancos com substanciais atividades internacionais, que foram responsáveis por mais de metade dos ativos do sistema bancário da zona do euro. Será apenas questão de tempo até esses grupos se tornarem a norma, e isto tem graves implicações para a regulação.

-------------------------------------------------------------------------------- O regulador combinado de um banco internacional tem poder para coletar e compartilhar informações, mas não pode agir fora da sua jurisdição nacional --------------------------------------------------------------------------------

Então, como os europeus estão reagindo a essa mudança? Eles já fizeram muito, exceto a coisa certa. Em particular, eles estabeleceram novas regras básicas para aprimorar a coordenação internacional entre reguladores nacionais. A diretriz de exigências de capital de 2005, por exemplo, estabeleceu padrões mínimos para bancos operando na UE.

No momento, o regulador combinado de um banco internacional tem poderes para coletar e compartilhar informações, porém não pode agir fora da sua jurisdição nacional. Alguns querem reforçar os poderes do supervisor, estendendo-os a outros Estados membros. Esta abordagem enfrenta enormes dificuldades políticas e jurídicas. Imagine o que aconteceria se os alemães fechassem um banco italiano, ou vice-versa.

Portanto, se quisermos nos ater à rota nacional e evitar a todo custo a criação de um supervisor único para o sistema bancário europeu, invariavelmente acabaríamos nos deparando com um sistema imensamente complexo e potencialmente impraticável. Estou ciente de que os reguladores nacionais mantêm discussões constantes entre si. Eles até testaram a capacidade dos seus sistemas através de jogos de simulação. Independente de quantos ajustes finos promoverem no seu sistema, porém, no fim quem decide sobre as questões de interesse nacional são os reguladores nacionais, e esta pode não ser uma estratégia ideal num mercado integrado.

O motivo fundamental que explica por que os Estados relutam em transferir sua soberania sobre a supervisão bancária é a ainda popular noção do banco defensor nacional. Um regulador para toda a Europa provavelmente não protegeria esses defensores no longo prazo.

Simplesmente contrasta esta corrente de pensamento com a década de 1980, quando o número de fusões internacionais setoriais começou a crescer. A UE reagiu então criando um regime de fusões central, um endereço com apenas uma escala, ao qual as empresas poderiam levar os acordos internacionais de maior envergadura. As agências antitruste nacionais continuam existindo, mas têm sido relegadas a lidar com casos nacionais de menor porte. Isso funcionou bem e, como resultado, a UE se saiu com um sistema antitruste melhor. Mas o sistema bancário é diferente. É um dos últimos bastiões do patriotismo econômico da Europa.

Qual é então a perspectiva para um sistema de supervisão descentralizada do sistema bancário? Enquanto não houver crises, o sistema obviamente poderá ser levado a funcionar. Em algum ponto, porém, os supervisores precisam tomar decisões duras - como, por exemplo, se um banco deve ser socorrido ou fechado. Pode até ser que um supervisor queira socorrer um banco e outro, não; ou que ambos apóiem um socorro, porém não consigam chegar a um acordo sobre como dividir os custos. Esse conflito se tornou aparente na semana passada, quando as tensões aumentaram num desses comitês de alto nível da UE, sobre especificar ou não as porcentagens que os governos têm para contribuir nesses casos.

Quando optamos por um sistema baseado no plano nacional, este será o tipo de discussão que receberemos. Boa sorte com isso! Meu prognóstico é que esse sistema funcionará até fracassar em seu primeiro grande teste.