Título: Araújo sugere cortar impostos primeiro e depois segurar gasto
Autor: Lamucci, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 03/04/2007, Especial, p. A16

O economista Aloisio Araújo está convencido que chegou o momento de o Brasil promover desonerações tributárias mais significativas. Num cenário em que solvência do setor público preocupa menos e o crescimento deve ser mais forte, cortar impostos deve ser uma das prioridades do país, tanto para aumentar a eficiência da economia como para pressionar o governo a gastar menos, avalia o professor da Escola de Pós-Graduação em Economia (EPGE) da Fundação Getúlio Vargas (FGV) do Rio e do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa).

"Eu acredito muito na idéia de cortar impostos e, com isso, obrigar o governo a gastar menos", afirma ele, para quem a estratégia de diminuir despesas primeiro para depois reduzir impostos pode ser a ideal, mas não tem dado resultado no país.

Araújo defende especialmente a diminuição de encargos trabalhistas que incidem sobre os salários mais baixos. Para ele, o melhor seria que se deixassem apenas os tributos previdenciários, retirando os outros, o que poderia induzir a um choque de formalização nas faixas salariais menores. "A informalidade é muito ruim do ponto de vista de produtividade", diz Araújo. Ele também é favorável à desoneração em setores em que a evasão tributária é muito grande, como em alguns segmentos de eletrônica, informática e confecções.

Para o economista, a solvência do setor público também preocupa menos, porque com os novos números do Produto Interno Bruto (PIB) evidenciou-se que a relação entre a dívida e o PIB é menor do que se pensava - ela terminou 2006 em 44,9%, e não em 50%. Além disso, o crescimento deve ser mais forte, o que ajuda a reduzir o endividamento em relação ao tamanho da economia.

Essa situação abre espaço para desonerações tributárias mais fortes, também favorecidas pela perspectiva de uma arrecadação mais forte, num quadro de expansão da atividade econômica mais firme, afirma. A carga tributária brasileira, de cerca de 35% do "PIB novo", é muito alta para um país emergente, diz ele.

Os novos números deixaram Araújo satisfeito por confirmar sua avaliação, feita há algum tempo, de que o país pode crescer a taxas mais robustas do que os cerca de 2,5% de média anual registrada de 1980 para cá (pela metodologia antiga).

Araújo diz que as reformas promovidas nos últimos anos, como as que afetam o mercado de crédito, melhoraram a eficiência da economia e ampliam a capacidade expansão do PIB. As privatizações dos anos 90 foram muito importantes, afirma ele, para quem também houve avanços na educação, ainda que a qualidade deixe muito a desejar. Cauteloso, ele acha difícil afirmar se a economia já pode crescer a um ritmo de 5% ao ano no curto prazo, mas acredita que o país não está condenado a avançar a taxas próximas de 3%.

Araújo é um dos mais respeitados economistas brasileiros no exterior. Neste mês, toma posse como membro da National Academy of Sciences, nos EUA. A seguir, trechos da entrevista:

Valor: Os novos números do PIB mostraram um crescimento mais forte desde 2002. Isso indica que a economia já tem fôlego para crescer a taxas um pouco mais altas do que supunham muitos analistas?

Aloísio Araújo: Embora muito aquém do que gostaríamos, nós fizemos muitas reformas nos últimos anos. Elas podem demorar para ter efeito, mas acredito que elas se traduzem em mais crescimento. Os números do PIB sugerem isso. Nós fizemos avanços. Há a estabilidade macroeconômica, que tem sido consistente nos últimos 13 anos. Outra coisa muito importante é que, apesar de estarmos muito mal em educação, já estivemos muito pior. É verdade que estamos muito defasados em relação à América Latina, mas houve a universalização do ensino fundamental e há um avanço em relação ao ensino médio. A qualidade caiu um pouco, mas o aumento de produtividade que temos registrado no Brasil em grande parte vem dessa diminuição do hiato educacional. Houve melhora do capital humano. Além disso, o PAC da educação parece bastante promissor, por introduzir condicionalidades para repasses de verbas, com o objetivo de melhorar a qualidade.

Valor: Que outras reformas permitem ao Brasil crescer a uma taxa um pouco mais alta?

Araújo: Algumas reformas microeconômicas foram muito importantes. Em primeiro lugar, as privatizações tornaram mais eficiente a utilização da infra-estrutura que nós tínhamos, como no caso da concessão de rodovias e de ferrovias. Sempre que se privatiza ou se faz uma concessão para o setor privado, aumenta o nível de intensidade de utilização. Isso melhora um pouco a situação de falta de investimento em infra-estrutura. A privatização das telecomunicações também levou a uma melhora significativa. Houve também outras reformas microeconômicas, como as do sistema de crédito, que são importantíssimas. Na área da construção civil, eu citaria a questão do patrimônio de afetação (medida que separa o patrimônio do empreendimento imobiliário do da construtora ou incorporadora) e a alienação fiduciária (medida que permite a retomada do imóvel em caso de inadimplência). A lei de falências também foi importante, por dar mais garantias aos credores, entre outros motivos.

Valor: Quais as evidências de que essas reformas têm gerado efeitos positivos sobre o crescimento?

Araújo: A relação crédito/PIB tem aumentado, ainda que com os números novos do PIB ela tenha ficado menor do que era (o número de 2006 caiu de 34,3% para 30,8%). Em parte devido às reformas institucionais, em parte devido à redução das necessidades de financiamento do setor público, há um revigoramento do mercado de crédito. Isso é essencial para o crescimento, como dizem todos os especialistas em desenvolvimento. As empresas pequenas e médias ganham vigor, o que aumenta o dinamismo da economia. A construção civil também começa a dar sinais de aquecimento. Nós vemos nas cidades alguns lançamentos para a classe média baixa e média média, que estavam sem acesso ao crédito há décadas. Isso é um fator de crescimento e de melhora de bem estar da população muito grande. O crescimento não é algo que vem do céu. Algumas reformas demoram mais tempo para ter impacto, mas eu acredito que elas levam a um maior crescimento, a mais eficiência microeconômica e, portanto, a uma melhor utilização de recursos. Com os números do PIB, nós vimos que a produtividade não está tão ruim como se pensava.

Valor: Mesmo com uma taxa de investimento baixa, a economia conseguiu crescer a uma taxa mais alta. É isso o que o sr. quer dizer?

Araújo: Exatamente. É para isso que servem as reformas, é para isso que serve o investimento em educação. A mão-de-obra que está chegando no mercado de trabalho é muito mais educada. O número de anos de escolarização da mão-de-obra tem aumentado bastante.

Valor: Há quem diga que o crescimento potencial do Brasil não supera 3%. O sr. acha que ele pode ser um pouco maior?

Araújo: Acredito que sim, principalmente se o país continuar a fazer reformas. Um ponto importante é apoiar e intensificar o PAC da educação, porque nós aprendemos até que o investimento no setor em relação ao PIB é até menor do que se pensava. A reforma tributária que está sendo discutida também é muito importante, com a simplificação de impostos.

-------------------------------------------------------------------------------- Seria importante o governo redobrar o esforço para fazer reformas, porque elas têm funcionado" --------------------------------------------------------------------------------

Valor: Há alguns analistas que dizem há uma fadiga de reformas. O Brasil fez várias e os resultados não seriam palpáveis. Mas o sr. está dizendo é que as reformas compensaram e começam a dar frutos.

Araújo: Nós não tivemos um choque muito profundo de reformas. O que tem se feito são melhoras paulatinas. É diferente de uma situação ideal em que, em pouco tempo, se fazem muitas reformas, muito intensas. Acho ruim falar em fadiga de reformas, porque nós realmente não tivemos um choque delas, ainda que nós tenhamos feito coisas significativas. Seria importante o governo redobrar o esforço para fazer reformas, porque elas têm funcionado.

Valor: Quais são as reformas mais importantes neste momento?

Araújo: A reforma das agências regulatórias seria importante para dar mais segurança para o setor privado investir, e segurança de que os critérios são técnicos e impessoais. A reforma tributária, com a simplificação de impostos, também é fundamental. Nós temos uma oportunidade única de fazer uma desoneração tributária. Essa é uma grande via não explorada no Brasil.

Valor: Quais devem ser as principais desonerações?

Araújo: Acho que um ponto muito importante seria a desoneração dos encargos trabalhistas, principalmente dos setores que ganham menos, nos quais a informalidade é muito grande. Os encargos trabalhistas são tão elevados que acabam fazendo com que esses trabalhadores saiam do mercado formal. Eles ficam sem proteção social nenhuma. A informalidade é muito ruim do ponto de vista de produtividade. A Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas vai um pouco nessa direção, embora o alcance dela seja limitado apenas às companhias de pequeno porte. A questão é que às vezes empresas grandes precisam contratar mão-de-obra de baixa qualificação para competir com os produtos importados. Essa desoneração tem que ser feita de modo geral. A diminuição dos encargos trabalhistas para essas faixas de renda mais baixa seria importante. Se se deixassem apenas os encargos de INSS para eles, nós poderíamos ter um choque de formalização. A porta do mercado de trabalho poderia se abrir para os que ganham menos, justamente num momento em que o país melhora.

Valor: Quais setores poderiam ser alvos de novas desonerações?

Araújo: Deveria haver também uma desoneração tributária nos setores em que o governo não consegue arrecadar muitos impostos, como ocorreu no setor de informática. Todo mundo sabia que havia um mercado paralelo de contrabando muito grande nesse setor. Com isso, a arrecadação de impostos no segmento era pequena. Além disso, houve um aumento de produtividade na economia, porque cresceu muito a quantidade de computadores na sociedade. Esse choque de informática, de que muitos países se beneficiaram, como os EUA, pode ser que esteja chegando aqui agora. Isso é uma coisa muito positiva. Seria importante fazer isso em outros setores em que a informalidade é muito grande, como nós vemos em certos segmentos de eletrônica e de informática, em que há evasão tributária muito alta, assim como no de confecções. Eu também sou favorável a outras reduções. O Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) no mercado de crédito é muito ruim. Talvez provoque mais distorções do que a própria CPMF. Há vários impostos isolados que foram sendo colocados nos últimos anos porque o governo tinha que resolver o problema de solvência.

Valor: A solvência não é um problema grave para um país que tem uma dívida de 45% do PIB, ainda alta para um país emergente?

Araújo: Uma dívida de 45% do PIB para um país com o perfil do Brasil ainda é muito alta. Ela deve continuar a ser reduzida. Essa é uma meta que tem que ser preservada. Mas nós estamos um pouco melhores do que estávamos antes. Nós resolvemos o problema da solvência só com aumento de impostos e não com corte de gastos. Isso se justificava mais numa época em que o risco de insolvência era maior. Eu gostaria de ver mais no debate público essa desoneração tributária tendo seu espaço no debate brasileiro. Eu acredito muito na idéia de cortar impostos e, com isso, obrigar o governo a gastar menos.

Valor: Isso inverte a lógica de analistas ortodoxos que dizem que cortes de gastos são pré-condição para a redução da carga tributária.

Araújo: Os EUA estão cheios de economistas ortodoxos que defendem cortes de impostos também como um modo de pressionar o governo a gastar menos. A lógica da política fiscal brasileira ficava muito baseada em atingir metas de superávit primário porque o problema de solvência era muito grave, mas ela foi um pouco melhorada. Eu sou favorável a cortar gastos primeiro e reduzir impostos depois, mas ela não tem funcionado. Eu também gosto da estratégia de que, à medida que surgem pequenos espaços, reduzem-se os tributos. Você força por esse lado também. É um modo de pressionar o governo. Ele não pode deixar de ter o superávit primário. Com as projeções de um crescimento maior, a arrecadação deve ser maior, o que também permite que se cortem impostos antecipadamente. É um modo de evitar que um eventual aumento de arrecadação se traduza em mais gastos.

Valor: Deveria haver uma meta para a carga tributária?

Araújo: Não sei se deveria haver uma meta, mas, do mesmo modo que a relação dívida/PIB está fora do padrão dos países emergentes, a carga tributária também está. Mesmo com o aumento do PIB, ela continua fora da linha para um país de renda como o nosso. A contrapartida dela é uma enorme informalidade no mercado de trabalho, o que leva a menos eficiência. Se nós tivermos um crescimento um pouco maior, obviamente vão sobrar mais recursos tributários. Há um espaço para cortes de impostos mais forte. Mesmo com a queda da carga tributária em relação ao PIB devido à mudança no metodologia pelo IBGE, nenhum país emergente tem a carga tributária que tem o Brasil. Do mesmo modo que nós queremos uma trajetória de queda da relação dívida/PIB, também devemos trabalhar pela redução da carga tributária. Isso abre espaço para o aumento da produtividade, o que é importante para dar mais consistência a um crescimento a taxas mais elevadas.

Valor: O sr. não falou da reforma da Previdência. Ela é menos importante do que as outras?

Araújo: Também é muito importante fazer a reforma da Previdência, mas isso está bem discutido. Eu concordo com a opinião dos especialistas. É necessário aumentar a idade mínima para aposentadoria e tornar mais próximas as idades de aposentadoria de homens e mulheres. Além disso, os servidores públicos não podem ter uma aposentadoria tão favorável. Um aspecto muito ruim que não é mencionado é que muitas vezes se tira do setor produtivo, principalmente do setor público, mas também do setor privado, pessoas altamente produtivas, que estão no auge de produtividade. Há pessoas muito produtivas que ainda têm muito a dar e se aposentam.

Valor: O país está preparado para crescer 5% no curto prazo como o governo pretende ou é difícil?

Araújo: É muito difícil falar em números precisos. Eu tenho uma visão de que essas reformas que nós fizemos nos últimos anos, ainda que não na velocidade que nós precisamos, levam a um crescimento maior. A questão é que é muito difícil definir uma relação de causa e efeito no curto prazo. Os economistas sabem muito mais coisas de médio prazo. Investir mais em educação leva a mais crescimento, mas não é que vai crescer amanhã. Eu discordo de quem diz que nós vamos crescer agora a 5% ou 6% e também de quem acha que nós vamos crescer só 2%, 2,5%. Mas eu não gosto de fazer projeções de curto prazo, porque a possibilidade de errar é muito grande.