Título: Balanços mostram ano recorde no setor
Autor: Boechat, Yan
Fonte: Valor Econômico, 03/04/2007, Empresas, p. B11

A primeira safra de balanços de empresas da construção civil, após a corrida ao mercado nos últimos 18 meses, permite elaborar um retrato inédito do setor no Brasil. Até então, as informações eram fornecidas ocasionalmente pelas empresas ou divulgadas pelas mãos de entidades do setor. Agora, com números auditados, é possível ver de forma mais clara qual o desempenho da construção civil no país. Levantamento realizado com onze das maiores companhias mostra um vigor invejável em 2006. Ao contrário de outros segmentos da economia brasileira, que, muitas vezes, comemoram índices de crescimento de um dígito, as empresas da construção civil estão expandindo seus negócios a uma taxa média de 50%. De acordo com a Fundação Getúlio Vargas (FGV), o setor como um todo, incluindo ai toda a cadeira produtiva, cresceu apenas 5,5% em 2006.

O desempenho das construtoras e incorporadoras que abriram o capital mostra a demanda reprimida acumulada ao longo da última década em um segmento específico. O crescimento vigoroso está concentrado nas empresas paulistas e cariocas, que aproveitaram a janela do mercado de capitais para iniciarem um inédito processo de profissionalização e expansão.

Só o volume de novos lançamentos, calculados como Valor Geral de Vendas (VGV), a receita potencial de cada empreendimento, praticamente dobrou em 2006 em relação ao ano anterior. Combinadas, as empresas que foram à bolsa lançaram quase o dobro de casas, apartamentos e escritórios, atingindo mais de R$ 6,6 bilhões, um crescimento de 91%.

É um avanço expressivo que mostra, também, a pressa com que essas empresas estão aplicando os quase R$ 10 bilhões que captaram na Bovespa. "É uma questão estratégica fundamental mostrar ao investidor que estamos crescendo e diversificando com rapidez", diz Andrea Ruschmann, diretora relações com investidores da Tecnisa.

A diversificação, como citou Andrea, foi um ponto fundamental na estratégia das companhias que foram ao mercado. Praticamente todas elas têm suas operações concentradas em São Paulo e no Rio de Janeiro, mercados ainda aquecidos, mas que ficaram pequenos diante dos desafios das construtoras. Ir para outros estados foi quase uma obrigação para as empresas do setor. "Buscar novos mercados é determinante para conseguir as taxas de retorno que estão esperando de nós", diz Eurico Carvalho, diretor de relações com investidores da Klabin Segall.

Mas engana-se quem acredita que os dois principais mercados do setor no Brasil, São Paulo e Rio, caminham para a estagnação. A receita líquida apurada pelas empresas ao longo de 2006 talvez seja uma prova clara disso. Juntas, as companhias do setor faturaram R$ 3,6 bilhões, 51,5% a mais do que em 2005, sendo que boa parte disso sai desses dois estados.

Esse crescimento não reflete, exatamente, a expansão vivida pelas empresas de construção civil ao longo do ano passado. Ao contrário de outros setores, a contabilidade dessas companhias obedece regras distintas. Uma companhia só pode apropriar a receita ao seu balanço na mesma proporção que uma obra avança. "Se vendemos 100% das unidades à vista, mas só construímos 20% da obra, isso significa que apenas 20% dessa receita pode entrar em nosso balanço", afirma Sérgio Rossi, diretor de relações com investidores da Rossi.

Com isso, o retrato da companhia observado pelo prisma da receita é de um período anterior ao do ano a que se refere. Em geral, uma empresa leva de dois a três anos para apropriar toda a receita de um empreendimento, mesmo que 100% das unidades tenham sido vendidas à vista.

Ainda assim, o crescimento da receita mostra que a demanda nos dois principais mercados, onde as empresas concentraram seus lançamentos nos últimos anos também está aquecido. Reflexo direto do aumento do crédito imobiliário, em especial para a classe média e alta, as vendas contratadas também cresceram em 2006 em relação ao ano anterior. Mas, no entanto, não com o mesmo vigor dos lançamentos.

Ao longo do ano passado as companhias que foram ao mercado acionário realizaram vendas da ordem de R$ 7,5 bilhões. Foi um crescimento de 56% em relação à 2005. Nelas também estão incluídas as comercializações de imóveis que foram lançados em anos anteriores a 2006. Mas, ainda assim, é uma taxa de crescimento recorde para o setor da construção civil.

Assim, o resultado das empresas também deu um salto. Combinadas, as que abriram seu capital nos últimos 18 meses tiveram um lucro líquido de R$ 647 milhões, o que representou um crescimento de 71% em relação a 2005. O resultado operacional (lajida), por sua vez, chegou a R$ 820 milhões, uma expansão de quase 60%.

Mas todos esses números expressivos ainda não são prova irrefutável de que as empresas da construção civil navegam em um mar de tranqüilidade. Em praticamente todos os casos, com raras exceções, os balanços estão fortemente impactados pelas captações recordes no mercado acionário. "É um mercado que está em início, é impossível fazer uma análise homogênea do setor", observa Carlos Macedo, analista do Unibanco. "A única certeza que temos, parafraseando os Beatles, é que esse segmento tem um mágico e misterioso caminho a trilhar", diz.