Título: Relatório sobre clima deve elevar pressão sobre governos e empresas
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Fonte: Valor Econômico, 02/02/2007, Internacional, p. A8

O painel sobre mudanças climáticas da Organização das Nações Unidas (ONU) deve divulgar hoje a mais contundente advertência já feita de que são as atividades humanas que estão causando o aquecimento global, fenômeno que vai aumentar a ocorrência de ondas de calor e estiagens, além de provocar a elevação do nível do mar.

O grupo, que conta com 2,5 mil cientistas de 130 países, também deve afirmar que os oceanos vão continuar tendo seu nível elevado por mais de mil anos, mesmo que os governos estabilizem as emissões de gases-estufa neste século.

Cientistas e autoridades do Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), reunidos desde segunda, davam ontem os toques finais ao relatório, que possui um resumo de 15 páginas destinado aos governantes. O IPCC diz que iria publicar os resultados às 6h30 (horário de Brasília) de hoje.

O relatório vai reforçar a convicção de que os seres humanos são os responsáveis pelo aquecimento e, por isso, pode aumentar a pressão sobre governos e empresas para que sejam tomadas providências mais eficazes para reduzir o acúmulo de gases-estufa, a maioria provenientes da queima de combustíveis fósseis por usinas termelétricas, fábricas e automóveis.

"É muito provável que os gases-estufa emitidos pelas atividades humanas tenham causado a maior parte do aumento observado nas temperaturas médias globais desde meados do Século XX", afirma o texto, segundo fontes.

"Muito provável" significa pelo menos 90% de probabilidade. No relatório anterior, de 2001, a ligação era "provável", isto é, com 66% de chances. Este é o primeiro relatório de uma série de quatro que serão divulgados este ano sobre as ameaças do aquecimento global.

O estudo prevê que as temperaturas subirão até 3°C até 2100 em relação aos níveis pré-industriais, a maior elevação em um século em milênios. O mundo está hoje cerca de 5°C mais quente que durante a última Era Glacial.

Segundo o estudo, a calota polar do Ártico vai diminuir muito até 2100 e talvez até desaparecer durante os períodos de verão.

A corrente do Golfo do México, que atravessa o Atlântico levando águas quentes até a Europa - sendo portanto essencial para o clima europeu - também pode ser prejudicada, diminuindo a velocidade de seu fluxo. Isso poderia provocar invernos mais gelados na Europa. Entretanto o relatório diz ser muito improvável que a corrente pare de fluir.

O número de furacões e tufões pode diminuir, mas eles terão mais intensidade destrutiva.

O relatório deve indicar que o aquecimento global foi o responsável pelos furacões e tufões mais fortes que ocorreram nos últimos anos, como o caso do Katrina, que atingiu o Caribe e os EUA em 2005.

O nível do mar deve subir entre 28 cm e 42 cm neste século, num aumento menor que o previsto em 2001, mas isso deve ocorrer mais rapidamente do que o estimado. Além disso, o nível dos oceanos pode continuar a subir por mais mil anos, ainda que sejam feitos os cortes propostos nas emissões de gases. "Os governos que planejam defesas costeiras têm de conviver com grandes incertezas por enquanto, e por um bom tempo ainda", disse Stefan Rahmstorf, do Instituto para Pesquisa do Impacto do Clima, de Potsdam, na Alemanha.

"[A divulgação do estudo] será um grande passo. Espero que seja uma declaração poderosa", disse Jan Pretel, chefe do departamento de mudança climática do Instituto Tcheco de Hidrometeorologia.

"Espero que os políticos sejam convencidos por essa mensagem", disse Riibeta Abeta, delegada da ilha-país de Kiribati. Os habitantes da ilha temem que ela desapareça, caso o nível dos oceanos realmente suba muito. "O propósito desse relatório é fazer com que as pessoas se mexam", completou Abeta.

A redação do relatório gerou polêmicas quanto ao tom da linguagem a ser usada. O painel aprovou o uso de termos mais diretos, porém cuidadosos, para dizer que a força maior de furacões e e ciclones desde 1970 foi causada pelas mudanças climáticas: "É mais provável que sim do que não".

A disputa pelo tom a ser usado é explicado pelas consequências que o relatório pode provocar. "As companhias de seguro olham atentamente para a linguagem", disse Leonard Fields, de Barbados.

A delegação chinesa foi a que mais se opôs ao uso de termos duros no relatório. A China é onde as emissões mais crescem e teme ser afetada por cortes mais severos, que atinjam os países emergentes.

Os EUA, que vêm mudando de posição sobre o aquecimento global, não se opôs ao termos duros.

O relatório estará à disposição no site do IPCC: www.ipcc.ch