Título: Bush estabelece a sua agenda econômica até o final do mandato
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 02/02/2007, Internacional, p. A9

"Aconselho que se afastem. Vou botar esse negócio para funcionar." Com essas palavras, George Bush deu partida num grande trator numa fábrica da Caterpillar, nesta semana. Foi um de diversos eventos organizados com o objetivo de alardear a vitalidade econômica americana e estabelecer as prioridades do presidente. Como esses foram os primeiros discursos de Bush sobre a economia desde que os democratas assumiram o controle do Congresso, a comunidade de analistas de Washington estava analisando em detalhes as palavras do presidente, buscando sinais de concessões.

O senso de oportunidade foi perfeito. As estatísticas deixaram pouca dúvida de que a economia americana está em aceleração. Pelos dados preliminares, o PIB cresceu 3,5% (percentual anualizado) no quarto trimestre de 2006, ritmo muito mais forte do que o esperado e substancialmente maior do que no terceiro trimestre.

Não surpreende que Bush tenha se vangloriado do fato: "Existe um líder mundial incontestável em termos econômicos, e são os EUA". Mas para além do elogio padrão aos cortes de impostos, seus discursos nesta semana foram notáveis por sua perspectiva mais abrangente.

De saúde à educação, Bush expôs como o governo deveria ajudar as pessoas a colher os benefícios de uma economia dinâmica, e não protegê-las de mudanças. Em clara anuência à nova realidade política, Bush abordou temas caros aos democratas, como a crescente desigualdade de renda e a disparada na remuneração de executivos; mas rejeitou as soluções da esquerda.

"A desigualdade de renda é real", disse. "A questão é se devemos reagir com políticas que ajudem as pessoas [desfavorecidas] a melhorar, ou que levem os demais para baixo". Educação e capacitação, disse Bush, são a chave para enfrentar o problema. Sobre a remuneração de executivos, Bush defendeu mais transparência. Os acionistas deveriam saber exatamente quanto os executivos ganham - "as cláusulas contratuais deveriam estar em letras grandes e ser compreensíveis". Ele repreendeu os conselhos das empresas por sua desatenção, mas rejeitou qualquer interferência do governo.

O mais importante é que Bush fez uma vigorosa defesa do livre comércio. Enfatizou a importância de concluir a Rodada Doha de negociações sobre o comércio mundial e pediu explicitamente ao Congresso para que estenda sua autoridade para promoção de comércio (TPA, na sigla em inglês, autoridade para firmar acordos comerciais), que expira em 30 de junho. Bush exortou os legisladores a resistirem ao protecionismo - "erguer um muro para isolar os EUA do comércio mundial seria um desastre para nossa economia"; mas, num aceno aos novos donos do poder no Congresso, também admitiu que a "competição mundial pode nos causar dificuldades". E prometeu trabalhar com o Congresso para melhorar a ajuda para o "trade-adjustments" - principal programa federal americano de ajuda a trabalhadores desempregados em conseqüência do comércio mundial.

Para os defensores do livre comércio, foram boas notícias. Embora o progresso em Doha continue elusivo, Bush está empenhado nisso. No dia em que pediu ao Congresso que estenda a TPA, seu secretário da Agricultura, Mike Johanns, apresentou proposta de ajustes nos generosos subsídios que os EUA dão a seus agricultores. Seu plano respeitará quaisquer limites de gastos com subsídios que resultem do eventual sucesso na Rodada Doha; o plano tentará prevenir contestações legais na OMC; e redirecionará alguma verba para atividades como pesquisas e conservação, que não distorcem substancialmente o comércio.

Tudo isso torna um acordo sobre Doha mais provável. Se o Congresso estenderá a TPA é menos claro. Charles Rangel, principal responsável na Câmara por comércio, está interessado num acordo quanto à TPA, desde que as preocupações dos democratas, especialmente com ajuda aos prejudicados pela globalização, sejam levadas em conta. Bush pode ter estabelecido a sua agenda econômica. Resta ver se o Congresso embarcará em sua canoa.