Título: Superávit primário deve declinar a partir de agora
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 02/02/2007, Opinião, p. A10

A fase dos superávits primários de 4,25% do Produto Interno Bruto, ou mais, pode ter acabado em 2006. O governo passou raspando na meta que se impôs e, embora por apenas R$ 200 milhões, teve de recorrer ao abatimento de gastos do Projeto Piloto de Investimentos, que estreou na contabilidade oficial em momento propício para a União.

As projeções pessimistas e análises politicamente motivadas que previam a incapacidade de o governo entregar os 4,25% foram desmentidas na prática. O superávit ficou em 4,32% e consolidou uma trajetória de oito anos de vigilância fiscal, após a sucessão de déficits do primeiro mandato do presidente Fernando Henrique. Mas antes mesmo do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a União já soltara as amarras dos gastos públicos, nunca fortemente contidas. Um dos motivos foi a elevação eleitoral dos gastos e, em especial, o forte reajuste do salário mínimo, que teve elevação nominal de 52% no primeiro mandato de Lula. Outro motivo foi a decisão política do presidente Lula de não manter mais o superávit bem acima da meta - em 2005 ele atingiu 4,83% do PIB, um recorde na história recente do país.

As despesas públicas foram descomprimidas e as contas fecharam justas. Isso ocorreu graças aos dividendos pagos pelas empresas e bancos estatais, que subiram de R$ 16,44 bilhões para R$ 19,07 bilhões. Não procede a crítica de que o aumento dos dividendos pagos foram para o Tesouro em detrimento dos investimentos. Os maiores dividendos vieram do BNDES, que não tem conseguido alcançar sua meta de empréstimos, e da Petrobras, que aumentou seu já elevado programa de investimentos para 2007. Como resultado geral, tanto União quanto Estados e municípios reduziram suas economias como proporção do PIB em 2006.

Com o PAC, o presidente Lula acena para mais gastos públicos, via investimentos, sem frear as despesas, que já subiram muito. É quase consenso que o ajuste fiscal tem sido obtido graças à elevação da carga tributária e isso foi verdadeiro para cada um dos quatro anos do primeiro mandato. As receitas totais da União saltaram de 23,78% do PIB para 26,01% do PIB de 2002 a 2006. Já as despesas foram de 17,25% para 19,19% do PIB no período. O crescimento das despesas foi impressionante e mostra que a economia representada pelo superávit primário se sustentou com aumento de impostos. A principal rubrica de gastos, a de benefícios previdenciários, cresceu de 2002 a 2006 para 7,93% do PIB e aumentou 88% nominais, para R$ 165,8 bilhões. O segundo item de maior peso, os gastos com custeio e capital, cresceram 77,5% e os gastos com pessoal, 47,7%.

Esse avanço das despesas se acelerou no ano passado e foram superiores ao avanço das receitas, de 10,5%. Despesas de custeio e capital em 2006 subiram 14,8%, com pessoal, 13,9% e com benefícios previdenciários, 11,9%.

O déficit nominal, que considera os juros e conta a toda a história, piorou de 2005 para 2006, e aumentou de 3,28% para 3,35% do PIB, apesar de uma redução do custo médio da dívida federal mobiliária de 2,14 pontos percentuais em 12 meses, para 14,82%. É verdade que ele é inferior aos 5,08% do PIB do início do mandato de Lula, mas teve elevação nos dois últimos anos.

A perspectiva para 2007, com o PAC, é de uma erosão mais acentuada da meta fiscal. A trava colocada na folha de salários - aumento real de 1,5% além do IPCA - só valerá mesmo em 2008, pois houve aumento generalizado para o funcionalismo no ano eleitoral. O salário mínimo, que indexa benefícios previdenciários, foi ele próprio indexado ao PIB nominal, garantindo, como observa o articulista Claudio Haddad, na edição de ontem do Valor, que "ele continuará crescendo acima da produtividade média da economia e tornando ainda mais difícil comprimir os gastos previdenciários".

A receita para destravar o crescimento não passa por mais gastos públicos, apenas. Com exceção da Índia, Malásia e Taiwan, o Brasil tem um dos mais elevados déficits nominais dos países emergentes. Os países com déficit menor estão crescendo mais que o Brasil, o que não inclui apenas China, mas também Colômbia, Peru, México e Argentina. Se não melhorar a qualidade de seu ajuste, a economia não apenas não avançará, mas a carga de impostos continuará sufocando o crescimento.