Título: Siderurgia: setor fundamental para reativar crescimento
Autor: Soares, Rinaldo Campos
Fonte: Valor Econômico, 02/02/2007, Opinião, p. A10

A reativação do crescimento econômico do Brasil deverá ser um dos mais importantes objetivos do governo nos próximos quatro anos e um dos meios mais eficazes para inclusão sócio-econômica dos estratos mais pobres da sociedade.

Para a realização deste objetivo, a reativação dos investimentos é condição fundamental. Os vínculos entre crescimento e investimentos produtivos definem uma das mais evidentes correlações da economia: quanto maior a proporção das inversões produtivas em relação ao PIB, maior a taxa de expansão econômica. Mas é igualmente importante a consistência intersetorial dos investimentos ao longo de todas as cadeias produtivas - das indústrias de base às das pontas finais dos suprimentos. Se assim não for, fatalmente o processo de crescimento será estrangulado por gargalos e por desarticulações nas cadeias de produção.

Mas esta articulação dos investimentos nem sempre se dá espontaneamente, movida apenas pela livre atuação das forças de mercado. A definição de planos orientadores, formulados por agências oficiais, e a adoção de mecanismos de estímulo para que se concretizem articuladamente são fundamentais para que se evitem gargalos nos processos de retomada induzida do crescimento econômico.

As duas mais importantes razões dessa orientação estratégica são as diferenças nos prazos e nas magnitudes dos riscos na implantação de novos projetos: sabidamente, os prazos são mais longos e os riscos são mais expressivos nos setores de base. E, entre estes, está o siderúrgico.

Nos últimos doze anos, o setor siderúrgico brasileiro investiu US$ 15,9 bilhões, a maior parte, 70,9%, em produção. Os investimentos mais intensos ocorreram de 1996 a 2001, totalizando US$ 9,5 bilhões, em razão da crença do setor na retomada do crescimento interno e das reformas econômicas, entre elas a privatização e a maior inserção global do país. Já de 2002 a 2004, o ritmo dos investimentos no setor reduziu-se, quer pelas exigências de amortização dos recursos alavancados no período anterior, quer por operações de consolidação, quer pela frustração das expectativas de crescimento.

Em 2005, os níveis do triênio 2002-2004 praticamente dobraram. E, para o período 2006-2010, foram programados e já estão em curso investimentos de US$ 11,2 bilhões em apenas cinco anos, mais do que dois terços do que foi feito nos últimos 12 anos. Este esforço está fundamentado em quatro pilares: 1) o deslocamento da produção de aço bruto para os países emergentes; 2) a expectativa de continuidade do crescimento da economia mundial; 3) a destinação da produção chinesa para as cadeias internas de produção e para os investimentos em edificações e em infra-estrutura, mais do que para mercados externos; 4) a competitividade mundial do Brasil no setor siderúrgico.

-------------------------------------------------------------------------------- A despeito da ausência de indicações claras sobre o papel que dele se espera, o setor siderúrgico avança para ampliar capacidade --------------------------------------------------------------------------------

Estes investimentos elevarão em 39% a capacidade de produção do parque siderúrgico brasileiro, que deverá chegar a 50,8 milhões de toneladas de aço bruto até 2010. Mas a maior parte dos projetos em andamento estão mais direcionados para mercados externos (produção de semi-acabados - placas, blocos e tarugos) do que para o suprimento das cadeias internas de produção. Para estas, serão necessários investimentos em laminação, que demandam pelo menos dois anos para o início efetivo de operação de novas plantas. E estes só se realizarão diante de sinalizações concretas de reativação do crescimento econômico interno e de bem fundamentados planos de governo, de abrangência multissetorial e inter-consistentes.

Em meio aos descompassos originários da falta de planos setoriais integrados, têm aumentado os suprimentos internos originários de importações. Mesmo desconsiderando-se a forte expansão da importação de semi-acabados, que se sabe ser pontual e já em queda, as importações de planos e de longos aumentaram mais 68,6%: de uma média de 549,5 mil toneladas/ano no biênio 2003-04, para 926,3 mil toneladas/ano no biênio 2005-2006. Estes números superam, em muito, o crescimento das importações totais do país no mesmo período. Embora as importações brasileiras tenham crescido 84,2% de 2003 a 2006, em conseqüência da redução da taxa real de câmbio, as importações de siderúrgicos cresceram 143,1%. Em relação às importações totais do país, subiram de 0,95 para 1,25%.

Se este movimento estabelecer-se como tendência, ampliando-se nos próximos anos, o setor siderúrgico brasileiro poderá voltar-se ano após ano para o mercado mundial de semi-acabados, mais do que para o suprimento das cadeias internas de produção. E uma reorientação desta natureza não é, seguramente, do interesse estratégico do país.

O espetacular crescimento da China tem sua sustentação, entre outras orientações estratégicas, na expansão antecedente de condições infra-estruturais e das indústrias de base, bem como na manutenção da depreciação cambial, como mecanismo que amplia sua competitividade em mercados externos e atua como obstáculo à expansão imoderada das importações.

Na definição da estratégia brasileira para a retomada sustentada do crescimento econômico, estes pontos fundamentais não podem ser desconsiderados. O setor siderúrgico, a despeito da falta de indicações mais claras sobre o papel que dele se espera no País, está avançado na ampliação de sua capacidade - e a expansão em curso poderá ser redirecionada para o suprimento competitivo das cadeias internas de produção. Mas é urgente que se definam, em termos orientadores, metas internas e integradas de crescimento setorial. E se destinem os recursos de nossos fundings de longo prazo alinhados aos propósitos estratégicos de retomada das taxas históricas de expansão de economia.

Rinaldo Campos Soares é presidente da Usiminas e da Cosipa.