Título: Guerra por talentos no setor de petróleo
Autor: Giardino, Andrea
Fonte: Valor Econômico, 02/02/2007, Especial, p. A12

O aquecimento do setor de óleo e gás não só têm provocado a escassez de mão-de-obra especializada no Brasil, como criado uma disputa acirrada por talentos. Com uma demanda por profissionais qualificados maior do que a oferta, os salários pagos pela indústria hoje estão inflacionados - cerca de 30% acima da média de mercado. Faltam engenheiros, geólogos, geofísicos, químicos e executivos. Este cenário deve ficar ainda mais crítico com os recentes anúncios de novos investimentos na área para os próximos cinco anos. No total, estão previstos recursos da ordem de US$ 100 bilhões, de acordo com o Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), dos quais US$ 75 bilhões serão aplicados pela Petrobras e o restante dividido entre as empresas privadas estrangeiras e as nacionais.

"Encontramos profissionais mais juniores, entre 26 e 28 anos, trabalhando em plataforma, que ganham R$ 20 mil reais por mês", revela Leonardo de Souza, gerente da divisão de óleo e gás da Michael Page, consultoria de recrutamento especializada em média gerência. Segundo ele, um engenheiro de petróleo, por exemplo, tem um salário inicial de R$ 3,5 mil, que pode chegar a valores mais altos pelo adicional de periculosidade, quando ficam 'embarcados' ou em campo de exploração de petróleo. "Há oportunidades tanto em companhias que atuam na construção de poços e refinação, quanto nas prestadoras de serviço", diz. Dados da Agência Nacional de Petróleo prevêem a criação de 180 mil empregos até 2010.

O BG Group, um dos maiores grupos internacionais do setor de gás e petróleo e também acionista majoritário da Comgás, desde que desembarcou no país 13 anos atrás, tem importado gente da matriz na Inglaterra, por não encontrar gente para preencher suas vagas. Problema que se agravou com a entrada de novas companhias estrangeiras após a quebra do monopólio da Petrobras. Atualmente, 20% do quadro de 200 funcionários é composto por "impatriados" ou profissionais de fora. "Temos dificuldade de encontrar, principalmente, profissionais com experiência, já que temos projetos em bacias novas, como a de Santos, que exige um profundo conhecimento técnico", afirma Reinaldo Barranco, diretor regional de recursos humanos da empresa para a América Latina.

"Milhões de dólares são investidos em uma perfuração e se o processo não for bem conduzido, com precisão e por meio de bons técnicos, podemos estar jogando dinheiro fora", ressalta. Se por um lado, a empresa tem uma política agressiva de retenção, com salários competitivos, bônus e programas de benefícios que se estendem à família dos funcionários, como forma de não perder os talentos para a concorrência, por outro ela vem apostando no treinamento de mão-de-obra fora do Brasil. Recém-formados e estagiários vão para Houston, nos Estados Unidos, celeiro de grandes companhias petrolíferas, para aprender sobre o mercado e voltar mais bem preparados. "Essa é uma prática que encontramos para resolver o gap de gente. Na região, temos uma média de 25 pessoas 'expatriadas' para a nossa matriz em Londres ou em nossas outras operações", conta Barranco.

O mesmo acontece com a SHV Gas Brasil, distribuidora de GLP (gás liquefeito de petróleo), que detém as marcas Minasgás e Supergasbras. Segundo Angela Flores Furtado, diretora de desenvolvimento organizacional da empresa, 50 técnicos já foram para os Estados Unidos e Europa. "O uso do gás na indústria é recente e poucos profissionais entendem sobre esses novos processos tecnológicos", explica. "Precisamos de mão-de-obra que conheça tudo sobre GLP, produto ligado ao refino de petróleo que substitui combustíveis tradicionais poluentes".

Flávia Adissi, 36 anos, coordenadora da área de saúde e meio ambiente do BG Group no Brasil, é um exemplo da valorização do profissional do setor de óleo e gás hoje. Após três anos de trabalho em Macaé- onde os salários pagos a quem atua nesse mercado são 15% acima da remuneração da área - , na Fugro Airborne Surveys, ela decidiu apostar em novos desafios. Cansada de dividir a semana entre seu apartamento no Rio de sexta a domingo e de ficar o restante da semana longe da capital, Flávia aceitou a proposta do BG. "Nessa área você pode escolher onde quer trabalhar e a proposta que mais se encaixa em seus objetivos profissionais", ressalta.

Formada em engenharia mecânica e de produção, com pós-graduação em segurança e engenharia do trabalho, Flávia explica que pode, além de ter realizado um sonho pessoal, abriu portas importantes profissionalmente. "Posso fazer carreira internacional, já que a empresa é global", diz. Mas quem pensa que ela parou de receber propostas está enganado. É bastante comum ela ser assediada por headhunters ou companhias que também pedem ajuda para encontrar gente qualificada. "Na minha área as companhias precisam cada vez mais de gente que se preocupe com as questões ambientais".

A lacuna de profissionais do setor de óleo e gás, entretanto, não é apenas um problema do mercado brasileiro. E sim, mundial. Fatores como a vertiginosa queda do preço do petróleo a partir da década de 90 - o valor do barril passou de US$ 60 para US$ 35 - e a concentração de empresas do setor por processos de fusão e aquisição fizeram com que o mercado retraísse. "Isso acabou desestimulando os profissionais a continuarem no mercado. Quem saiu, não quis voltar. E quem estava entrando nas universidades não buscava cursos voltados ao setor", observa Virgílio José Martins Ferreira, professor de engenharia de petróleo da Escola Politécnica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). "No Brasil, o monopólio da Petrobras no setor resultou na concentração de profissionais treinados pela companhia, que investiu diretamente na qualificação de sua mão-de-obra", diz.

Tanto que com a abertura do mercado, houve uma disputa ferrenha por engenheiros da estatal pelas empresas que vinham de fora. "A não abertura de editais para concursos pela Petrobras por aproximadamente 10 anos contribuiu para um gap de profissionais na faixa dos 35 a 48 anos. Por essa razão, a procura por gerentes e técnicos vai ser ainda maior", prevê Souza, da Michael Page. O mercado está tão aquecido que outro fenômeno comum é ver aposentados da estatal voltarem ao mercado para suprir a carência de profissionais experientes. O presidente da Repsol-YPF, João Carlos de Luca foi bastante assediado logo que se aposentou em 1997, exatamente pela experiência como diretor de exploração e petróleo.

"Para esses profissionais a carreira não se encerra com a aposentadoria", diz Adriano Bravo, consultor da Case Consulting, empresa de seleção com foco em média gerência. "Como o setor ficou estático por muitos anos, profissionais seniores, com mais de 50 anos continuam sendo a grande diferença para as empresas em franca expansão". Mas ressalta que as posições não se restringem apenas aos técnicos, mas também a gerentes e coordenadores. "A briga é tão grande que movimenta outros mercados. Na ausência de executivos com experiência na indústria de petróleo, muitas companhias vão caçar em áreas próximas", afirma. Prova desse aquecimento é que a Case desde que iniciou operação no Rio de Janeiro, ano passado, trabalhou 150 posições e a área já responde a 40% do faturamento.