Título: Donos de cartórios brigam no Supremo
Autor: Frisch, Felipe
Fonte: Valor Econômico, 02/02/2007, Legislação & Tributos, p. E2

Uma briga entre gerações de donos de cartórios, tendo como pano de fundo os concursos realizados em São Paulo após a Constituição Federal de 1988, é a responsável por pelo menos quatro ações em andamento no Supremo Tribunal Federal (STF). Em uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) do ano passado, a Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg-BR) questiona os provimentos do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que estabeleceram as regras do quarto e último concurso, à semelhança do que tentou fazer com os anteriores. A seleção exigiu prova de conhecimento e de títulos, tanto para o ingresso de novos notários na carreira quanto para a transferência de cartório - a chamada "remoção", possível quando um cartório fica vago por morte ou aposentadoria do notário. Um novo embate é esperado para este mês, quando for marcada a sessão de escolha dos notários novos e removidos.

A Anoreg quer que seja exigida apenas a prova de títulos, o que na prática garantiria a preferência dos antigos donos de cartórios, empossados pelo sistema anterior à Constituição, quando valiam a hereditariedade e a indicação pelo governador ou pelo presidente da República. Tal como a prova de ingresso exige a formação em direito dos seus candidatos - ou experiência prévia em cartório -, a prova de conhecimento na transferência exigiria tais noções, que não eram pré-requisito nas indicações.

Já em outra ponta da briga, o objetivo é mostrar que uma lei federal editada em benefício desses cartorários é constitucional. A Anoreg é também autora de uma ação de declaração de constitucionalidade (ADC) em favor da Lei nº 10.506, de 2002, que excluiu a exigência da prova de conhecimento até então exigida na Lei nº 8.935, de 1994, que regulamentou a atividade. Parte da polêmica está no fato de que a Constituição exige, em seu artigo 236, a prova de conhecimento para o ingresso na carreira e nada fala sobre a remoção.

Os cartorários que já ingressaram na carreira por concurso querem que seja mantida a prova de conhecimento, já que a maior parte deles tem bacharelado em direito - uma exigência dos concursos, que pode ser substituída pela experiência anterior comprovada em cartórios.

Por conta dessa briga, no ano passado foi criada outra associação da classe, composta por novos membros de cartórios, que tem como bandeira a exigência da prova de conhecimento. A Associação dos Titulares de Cartórios de São Paulo (ATC) já conseguiu ingressar como "amicus curiae" (parte interessada) na Adin da Anoreg e aguarda a decisão do relator para entrar na Adecon. Um dos paradoxos que a prevalência da prova de títulos traria é o de que ter doutorado em direito vale 20% dos pontos e ter sido mesário, idem, compara Eduardo Pecoraro, do Ferro & Castro Neves Advogados, que representa a ATC. Da mesma forma, o escrevente de cartório e o advogado ganham um ponto a cada cinco anos trabalhados na profissão. "Se prevalecer essa tese, vai ser o primeiro caso de concurso de remoção só por títulos", diz.

Em outra ação no Supremo, a Anoreg argumenta que, ao exigir a prova de conhecimento, o TJSP está violando a hierarquia entre Estado e União. Como a liminar foi negada, a ATC não pediu para entrar como parte, o que deve ocorrer quando a ação estiver para ser julgada. A expectativa agora é por uma nova ação da Anoreg para impedir a posse dos concursados. Procurada pelo Valor, a Anoreg-BR não retornou as ligações.