Título: Governo vai licitar transposição sem licença
Autor: Daniel Rittner
Fonte: Valor Econômico, 13/01/2005, Brasil, p. A4

O governo federal decidiu licitar a transposição do Rio Francisco antes de ter em mãos o licenciamento ambiental e vai lançar em meados de fevereiro os editais do projeto. A transposição é um megaempreendimento que deverá mobilizar as grandes empreiteiras e todo o setor de construção. Do custo total de R$ 4,5 bilhões para concluir as obras, os serviços de infra-estrutura a serem licitados no mês que vem somarão cerca de R$ 4 bilhões, afirmou ao Valor o ministro interino da Integração Nacional, Pedro Brito. A idéia original do governo era fazer as licitações após a concessão do licenciamento ambiental, pré-condição para o início das obras. Na nova estratégia, decidiu-se selecionar as empreiteiras e escolher os fornecedores de máquinas e equipamentos antes mesmo da autorização do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), embora os contratos só possam ser assinados depois da licença. Dessa forma, as máquinas estarão prontas para trabalhar tão logo haja o aval do Ibama. Os editais serão submetidos à discussão pública nesta sexta-feira. Segundo Brito, que coordena o projeto de transposição no governo e está cobrindo as férias do titular Ciro Gomes, haverá duas licitações: uma para contratar as empresas de construção e outra específica para a contratação dos equipamentos. "Assim será mais viável obter preços menores", disse o ministro interino. A primeira licitação dividirá as obras em 14 lotes, distribuídos pelos eixos Norte e Leste, que sairão do traçado original do rio São Francisco e terão 622 quilômetros de extensão. Com a pulverização dos contratos, mais construtoras poderão participar e o ritmo das obras deverá aumentar. Preocupado com os entraves judiciais que têm causado seguidos atrasos e deverão impossibilitar a inauguração da sua maior obra de infra-estrutura até o fim de 2006, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva determinou uma corrida contra o relógio para tirar do papel a transposição do rio São Francisco. Lula tem dito a interlocutores que o projeto entra na sua "cota pessoal" de realizações do governo e atribui a ele prioridade máxima, segundo fontes do Palácio do Planalto. A intenção do governo era começar as obras em janeiro, mas etapas fundamentais do empreendimento foram bloqueadas por liminares na Justiça. O governo até esperava uma guerra jurídica em torno do processo, mas foi surpreendido por outros atrasos. A greve de 27 dias dos servidores do Ibama adiou a convocação de audiências públicas para debater os impactos ambientais da transposição, que deveriam ter ocorrido no fim de outubro ou novembro. Quando as audiências finalmente foram marcadas, para meados de dezembro, uma série de liminares barrou sua realização. Uma outra medida judicial impediu a reunião do Conselho Nacional de Recursos Hídricos que aprovaria um parecer da Agência Nacional das Águas (ANA) garantindo haver vazão suficiente para os desvios necessários. Prevista para 30 de novembro, a reunião só ocorrerá na segunda-feira. Com todos esses atrasos, tornou-se um pouco mais difícil para Lula beneficiar-se politicamente da sua grande obra de infra-estrutura. O calendário eleitoral prevê que ele só poderá participar da inauguração de obras públicas até julho de 2006, se for candidato à reeleição. Os técnicos já vêem com bastante dificuldade as chances de concluir a primeira fase das obras antes do fim do próximo ano, mas a determinação do presidente é deixá-las em um estágio avançado, praticamente irreversível do ponto de vista de sua continuidade. Ao Ibama foi dada a instrução de colocar a análise ambiental do projeto como prioridade, o que significa realocar recursos da forma necessária para estudar rapidamente a obra. O Ministério da Integração Nacional conta com o licenciamento ambiental até o fim de fevereiro, para começar a construção em maio. Mas esse é uns dos maiores empreendimentos já analisados pelo Ibama e tudo o que a autarquia rejeita são acusações dos ambientalistas de estar comprometida com a liberação a toque de caixa das obras. O processo será conduzido com tranqüilidade e independência, sem nenhum compromisso de avalizar o projeto, ressaltou Nilvo Luiz Alves da Silva, diretor de licenciamento e qualidade ambiental do Ibama. "Não olhamos as audiências públicas como uma etapa burocrática", disse. As audiências começam neste sábado, em Fortaleza. Passam por todos os Estados afetados pela transposição: Natal (dia 18), Souza (PB, dia 20), Salgueiro (PE, dia 22), Belo Horizonte (dia 25), Salvador (dia 27), Aracaju (dia 31) e Maceió (dia 2 de fevereiro). Nas quatro últimas, o governo prevê um cenário de tensão. A Advocacia-Geral da União já está mobilizada para derrubar eventuais liminares que ameacem, de novo, as audiências.