Título: Pesca predatória de lagosta na mira do governo federal
Autor: Barros, Bettina e Bouças, Cibelle
Fonte: Valor Econômico, 02/02/2007, Agronegócios, p. B9

O governo brasileiro faz os últimos ajustes em seu plano de ação para conter a pesca predatória da lagosta no Nordeste, o segundo item da pauta exportadora de pescados do país e que agora corre o risco de se tornar economicamente inviável. O crustáceo está desaparecendo da costa brasileira. De 1995 para 2006, a produção caiu de 11 mil toneladas por ano para 6 mil toneladas.

A "crise sem precedentes", como qualifica o Ibama, deve-se à sobrepesca. Há três vezes mais pescadores, a maioria de forma ilegal e em uma área mais extensa. Quando a pesca se iniciou no país, nos anos 50, contemplava quatro Estados. Hoje, envolve 11, seguindo uma linha contínua do Amapá ao Espírito Santo.

A maior preocupação das autoridades, porém, reside no fato de os pescadores retirarem do mar espécimes jovens e menores, não dando chance à reprodução. "Os pescadores estão pegando lagostas em um ritmo maior que o que elas conseguem se reproduzir", explica Marcelo Amorim, fiscal do Ibama. Ao contrário das espécies maduras, que habitam em profundidades de até 40 metros, as lagostas jovens ficam nos recifes, perto da costa, o que facilita a captura. "A lagosta permitida para a pesca é aquela que já se reproduziu pelo menos uma vez. E isso se percebe pelo tamanho: a lagosta vermelha (Panulirus argus) tem 13 centímetros e a verde (Panulirus laevicauda) tem 11 centímetros."

O resultado é que os pescadores precisam de mais lagostas para chegar a um quilo. Conforme o Ibama, antes eram necessárias três lagostas por quilo; agora são de 7 a nove.

Para reverter este quadro, o Ibama publicou duas Instruções Normativas (nº 138, de 06 de dezembro de 2006, e nº 144, de 03 de janeiro de 2007) que fixam o limite máximo sustentável do esforço anual de pesca da lagosta. Três medidas entraram em vigor este ano: a proibição de pesca a menos de 7,5 quilômetros da costa (onde se situam as lagostas jovens), a proibição do uso da caçoeira (uma rede depositada no fundo do mar, considerada nociva por remover outras espécies, como tartarugas) e o cancelamento das permissões de pesca a embarcações.

A Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca (Seap) estima que existam hoje quase 6 mil embarcações capturando lagosta no país, mas apenas 1,3 mil têm autorização. O órgão, que tem status de ministério, publicou no dia 31 de janeiro a instrução normativa nº 1, para o recadastramento e registro das embarcações, mas em número inferior aos autorizados até o ano passado.

"O pescador terá que comprovar que captura lagosta há pelo menos quatro anos e que se dedica a essa atividade dois meses por ano para obter a licença", afirma Eloy de Sousa Araújo, assessor especial da Seap. As exigências visam restringir as licenças a pescadores que realmente se dedicam à captura da lagosta.

"Se não houver um trabalho de conscientização, será apenas mais um recadastramento", afirma Elisa Gradvohl, vice-presidente do Conselho Nacional de Pesca (Conepe) para o Nordeste. Ela observa que o governo tem conhecimento dos pescadores que atuam de forma ilegal, mas não há fiscalização ou pena. "O governo paga seguro-defeso a todos os pescadores, inclusive os ilegais, mas só há exigências e custos para os legalizados. Isso estimula o trabalho clandestino."

Fernando Ferreira, presidente do Conepe, diz que o aumento das exigências para as embarcações legalizadas levou as indústrias a saírem da captura e se dedicarem apenas ao processamento. "Dá prejuízo colocar o barco para pescar", diz. E como as indústrias compram a lagosta de atravessadores, fica difícil identificar o produto legal do clandestino.

Ferreira observa que a redução dos estoques naturais da lagosta já vêm se revertendo em perdas para as indústrias. "A cada ano, as exportações caem de 10% a 15%", afirma. Segundo item da pauta de exportação de pescados, depois do camarão, as lagostas movimentaram US$ 85 milhões em 2006 (23,5% das exportações de pescado), segundo dados da Secex. O resultado foi 13,3% superior ao de 2005. Em volume, houve queda de 10,3%, para 2.129 toneladas. Cerca de 95% da lagosta capturada no Brasil é vendida ao exterior.

O presidente do Conepe acrescenta que a lagosta brasileira perdeu 20% do seu valor no mercado externo em 2006, caindo para R$ 80 o quilo, em média. O motivo é a baixa qualidade do produto. Segundo ele, o produto pescado de forma irregular apresenta muitas vezes peso abaixo do ideal e condições fitossanitárias inadequadas à exportação.

Outro problema apontado é o avanço da pesca em Estados como Pará, Maranhão, Amapá e Pernambuco. "Enquanto a exportação do Ceará caiu 30%, a de Pernambuco cresceu 40% e a do Pará, 80%", diz Elisa, do Conepe. O Ceará - onde a pesca da lagosta teve início - está com estoques baixíssimos. Segundo o Ibama, barcos pesqueiros cearenses deslocam-se até regiões mais abastadas, como o sul da Bahia e o Espírito Santo, para encontrar o crustáceo - informação refutada pelas indústrias do Estado.

"No nível em que está, o risco de as exportações entrarem em colapso é muito grande", acrescenta Rômulo Mello, diretor de fauna e recursos pesqueiros do Ibama. "Não é que a lagosta vai entrar em extinção, mas não se sustentará economicamente", afirma.

Mark Kleinberg, diretor-presidente da Ipesca, diz que a crise de escassez de lagosta intensificou-se nesta década. De seis empresas que beneficiavam lagosta em Fortaleza em 2000, só a dele ainda opera. "Uma alternativa é o camarão, que também está em crise de preços."