Título: Avanços e obstáculos na relação entre Brasil e EUA
Autor: Abdenur, Roberto
Fonte: Valor Econômico, 18/01/2007, Opinião, p. A10

O Congresso dos EUA decidiu, em dezembro, renovar a autorização para o funcionamento do seu Sistema Geral de Preferências (SGP), que permite a importação com tarifa zero de produtos de países em desenvolvimento. Em 2006, as exportações do Brasil sob o SGP chegaram a quase US$ 4 bilhões.

Essa decisão pode ser atribuída, em considerável medida, ao empenho com que se mobilizaram, na mais estreita coordenação e sintonia, governo e setor privado brasileiros. Paralelamente a ingentes gestões feitas por autoridades junto a órgãos do governo americano, realizaram-se diversas missões empresariais aos EUA, no intuito de persuadir os parlamentares dos méritos da manutenção das preferências do Brasil.

Orgulho-me, em particular, do trabalho da Embaixada em Washington, que teve papel central na mobilização e coordenação de diversas frentes de atuação junto ao Executivo e ao Congresso americanos. Ao aproximar-se o encerramento de minha missão de embaixador do Brasil nos EUA, iniciada em abril de 2004, o positivo desfecho da questão do SGP me remete à instrução que recebi do presidente Lula, de trabalhar com afinco no aprofundamento das relações tanto políticas quanto econômico-comerciais entre os dois países, a qual procurei seguir fielmente ao longo de minha gestão.

De início, enfrentei o desafio de evitar restrições a nossas exportações por força da investigação aberta pelos EUA sobre a proteção de direitos autorais no Brasil. Era iminente a aplicação de sanções mediante a retirada de preferências tarifárias unilaterais. Articulado com os ministros das Relações Exteriores e da Justiça, tomei a iniciativa de sugerir a criação de grupo de trabalho Brasil-EUA para tratar do tema.

Foi possível, com esse mecanismo, dar divulgação às ações abrangentes que o governo logo tomou para combater a pirataria, por interesse nacional próprio. Em paralelo, conduzi em Washington amplo esforço de divulgação a respeito da nova realidade de combate implacável à pirataria no Brasil. Em 13/1/2006, o governo americano encerrou a investigação que já durava cinco anos.

Consciente de que a ampliação das relações comerciais bilaterais não poderia depender apenas de resultados na esfera negociadora, devotei energia ao aprimoramento da facilitação do comércio via mecanismos de diálogo entre órgãos de governo dos dois países e de atividades de promoção comercial. Empenhei-me pelo lançamento, na visita do presidente Bush a Brasília, em novembro de 2005, de mecanismo de diálogo entre o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e o Departamento de Comércio. Em duas reuniões realizadas em 2006, o mecanismo comprovou sua capacidade de abrir caminho para a superação de óbices à intensificação das trocas comerciais e dos investimentos.

-------------------------------------------------------------------------------- A melhoria do clima de investimentos e negócios entre Brasil e EUA é foco tão importante quanto o acesso aos mercados --------------------------------------------------------------------------------

Na promoção comercial, é importante o foco não só em acesso a mercados, mas também na melhoria do clima para investimentos e negócios entre Brasil e EUA, o que me levou a contatos freqüentes com associações empresariais americanas, empresas e potenciais investidores para reafirmar o compromisso do governo brasileiro com suas exitosas políticas no campo macroeconômico e com a expansão do intercâmbio econômico-comercial bilateral.

Nessa área, especial esforço foi feito na organização de seminário econômico-comercial em Nova York, em junho de 2004, com a presença do próprio presidente Lula e vários ministros. Importantes investimentos no Brasil de firmas americanas, alguns de valores acima de US$ 1 bilhão, foram resultado desse tipo de trabalho "corpo-a-corpo". Ainda na área da promoção comercial, em minha gestão foi idealizado projeto de interiorização da promoção do Brasil nos EUA, a ser implantado em coordenação com agências públicas e privadas ligadas ao comércio exterior. Ele prevê o estabelecimento paulatino de rede de contatos e pontos focais sobre o Brasil em todo o território norte-americano, com ênfase nos pólos econômicos regionais situados fora dos eixos tradicionais de operação dos nossos exportadores, a partir de "roadshows" capitaneados por autoridades e/ou líderes empresariais brasileiros.

A Embaixada empenhou-se também no exercício de identificação e redução de barreiras comerciais às exportações brasileiras. Embora seja baixa a tarifa média praticada pelos EUA, persistem obstáculos ao acesso de produtos brasileiros - sob a forma de picos tarifários, barreiras não-tarifárias e subsídios a produtos agrícolas -, muitos dos quais se aplicam justamente a setores nos quais o Brasil apresenta potencial competitivo. Cito o esforço para procurar evitar a aplicação de direitos antidumping contra as exportações brasileiras de camarão (em 2004) e suco de laranja (em 2005). No caso dos camarões, em particular, foi possível obter melhora nas medidas aplicadas contra as exportações brasileiras.

Quanto à evolução da relação de comércio e investimentos, a Embaixada buscou não só evitar e contornar problemas, mas também abrir caminhos positivos e incentivar fatores de avanço no relacionamento bilateral. Embora, numa análise superficial, as exportações brasileiras para os EUA apresentem crescimento aquém do ideal (11,8% em 2005 com relação a 2004, contra 22,6% das exportações totais), deve-se atentar para o potencial e qualidade das vendas para o mercado americano. Enquanto para a Ásia e Europa as exportações de produtos manufaturados representam, respectivamente, 40% e 20%, para os EUA chegam a 70% do total (sob o SGP, os manufaturados superam 90% do total).

Outro tema prioritário de minha gestão foi o etanol. Procurei transmitir a interlocutores americanos a mensagem de que ambos os países, responsáveis por mais de 70% da produção mundial, deveriam trabalhar em conjunto em favor de medidas para ampliar o mercado global do etanol, sem prejuízo do continuado interesse do Brasil em que seja revista a "tarifa secundária" de US$ 0,54 por galão aplicada pelos EUA sobre as importações do produto. Nessa linha, tratei de ampliar os canais de diálogo com o lobby doméstico do etanol nos EUA. Esse trabalho, espero, ajudará a lançar novas bases para convergências no setor.

Em suma, há hoje fatos positivos na relação econômica bilateral, mas ainda permanecem obstáculos a superar. Entre 1996 e 2006, a participação dos produtos brasileiros no total das importações norte-americanas, de nada menos que US$ 1,7 trilhão, ficou estacionada em torno de 1,4%. Urge, portanto, direcionar recursos adicionais e aprimorar a coordenação entre governo e setor privado para viabilizar ofensiva eficaz em direção ao mercado americano. A experiência quase singular da firme e bem articulada atuação conjunta na questão do SGP pode ser reproduzida, a partir de agora, em múltiplas novas ações tendentes à conquista de parcelas maiores do gigantesco mercado dos EUA.

Roberto Abdenur é embaixador do Brasil em Washington.