Título: Carga pesada
Autor: Fariello, Danilo
Fonte: Valor Econômico, 18/01/2007, EU & Investimentos, p. D1

Imagine que uma pizza de mussarela custasse R$ 10 há algum tempo. No ano seguinte, a pizza custava os mesmos R$ 10 - ignorada a inflação -, mas era vendida apenas com sete pedaços, em vez de oito. No outro ano, continua com o mesmo preço, mas com apenas seis pedaços. Agora, ela ainda custa R$ 10, mas vem com apenas quatro pedaços. Algo similar ocorre com os fundos de investimento de baixo risco DI e renda fixa para aplicadores de varejo.

Há alguns anos, com o juro mais elevado, o valor cobrado em taxa de administração pelos gestores era pequeno em relação à rentabilidade e praticamente desaparecia entre os gordos ganhos. Mas, no ano passado, os juros caíram muito e cotistas de alguns fundos viram, pela primeira vez em anos, suas carteiras apresentarem rentabilidade líquida de um dígito - próxima ou até inferior à da caderneta de poupança -, algo impensável há poucos anos. No entanto, fundos de varejo continuam a cobrar até 5% ao ano para administrar fundos mais conservadores.

Para consultores, é necessário primeiramente aceitar que não existe mais um mercado com juro tão alto ou pizza de mussarela inteira a R$ 10. "É preciso deixar a displicência nos investimentos e encontrar alternativas mais viáveis", diz Gustavo Cerbasi, consultor de investimentos e professor de finanças da FEA/USP. Existem no mercado fundos com taxas menores ou alternativas com risco diferenciadas, como pode haver pizza mais barata em outra esquina do bairro ou opções de sabores. "Ou o investidor se conforma em pagar mais por menos rendimento ou fica mais atento e busca alternativas."

Embora exista uma expectativa de que os grandes gestores do mercado reduzirão as taxas desses fundos de varejo, não há previsão de quando isso acontecerá. Entre os grandes bancos, decidiu-se que não se fala em corte das taxas de administração dos fundos atuais, ao menos ainda neste ano, se o juro cair no ritmo previsto. A idéia seria continuar cobrando caro de quem não se incomodar. Enquanto isso, o que ocorre é a criação de algumas carteiras com taxas menores, mas com valores mínimos de aplicação mais altos ou destinados ao varejo de alta renda, menos acessíveis ao pequeno investidor.

Segundo pesquisa do Banco Central, as instituições prevêem que a Selic chegará a 11,75% ao ano no fim de dezembro. Quando as taxas de administração começarem a expulsar os investidores, porém, os bancos tenderão a revê-las, porque costumam lucrar mais ao manter uma cativa base de clientes do que com a taxa dos fundos.

Esse custo para os aplicadores dos fundos consome parte do rendimento, porque a taxa também é calculada sobre o patrimônio do fundo. Dessa forma, no cálculo final, ela reduz o ganho. A taxa cresce em importância porque, à medida que o juro e a rentabilidade caem, e seu peso permanece o mesmo, os fundos passam a render menos em relação ao juro do mercado. "Há dois anos era fácil aplicar porque, em qualquer lugar, se conseguia boa rentabilidade", lembra Cerbasi, autor do livro "Casais inteligentes enriquecem juntos".

"A festa acabou", diz Alexandre Espírito Santo, sócio da Avanti e chefe do Departamento de Economia e Finanças da ESPM do Rio, que projeta juro a 11,25% ao ano em dezembro. Esta seria a menor taxa em cerca de 30 anos, derrubando o retorno mensal muito abaixo de 1% ao mês. Para Espírito Santo, os investidores brasileiros terão de fazer o mesmo que os internacionais nos últimos 10 ou 15 anos: buscar aplicações de maior risco para tentar manter o rendimento de outrora (ver abaixo).

No entanto, além da atitude normal do ser humano de ser refratário a mudanças, pesa contra a transferência de recursos dos fundos com taxas elevadas a tabela regressiva do imposto de renda, que premia aqueles que permanecem mais tempo nas carteiras - o imposto cai de 22,5% para 15% sobre a rentabilidade em dois anos. "Por isso é preciso planejar bem qual o destino antes de migrar", diz Espírito Santo. O imposto tornaria marginal o ganho de mudar de um fundo para outro com taxa até dois pontos percentuais menor para quem já completou dois anos. Cerbasi também acredita que, por conta desses pedágios, migrar na renda fixa não é tão atrativo para o aplicador com até R$ 10 mil.

Quem mudar para um fundo de renda fixa com taxas menores poderá preservar a rentabilidade por algum tempo, mas apenas até que os juros caiam para outro patamar e tudo volte à estaca atual. O governo discute mudanças na remuneração da caderneta de poupança, para que ela volte a ser menos interessante do que a dos fundos. Se isso ocorrer, a competitividade em relação à caderneta melhorará, mas o lucro dos fundos permanecerá baixo.

Estimada a taxa de juro média de 12,22% neste ano, prevista pelo mercado, em um fundo com taxa de administração de 4%, o aplicador teria um retorno final de seu investimento de apenas 7,73%, sem considerar a mordida do imposto de renda sobre o lucro . Nesse cálculo, o aplicador embolsará apenas 63% do juro do mercado, dado pela média da Selic. Na tabela acima, é possível confirmar esse resultado, usando o juro atual de 13,25% ao ano. Quanto menor o juro, pior será a rentabilidade dos fundos em relação à taxa corrente.

Em 2006, carteiras de alguns dos principais gestores brasileiros apresentaram rentabilidade líquida muito próxima do rendimento da caderneta de poupança, de 8,33%. Como o Certificado de Depósito Interfinanceiro (CDI) variou 15,04% no ano passado, e considerando que todos os fundos tenham rendido o CDI, com a tributação de 20%, qualquer fundo com taxa de administração acima de 4% ao ano perderia para a caderneta. Na prática, porém, são raros os fundos que rendem 100% do CDI. Portanto, também carteiras com taxa menor perderam da caderneta (ver tabela acima).

Por conta disso, Cerbasi aponta sem qualquer dúvida a caderneta de poupança como melhor alternativa para quem aplicar baixos valores em renda fixa por poucos meses, quando a alíquota do imposto é maior. "Apenas se o dinheiro não tem data certa para ser sacado, os fundos podem ser alternativas de aplicação em renda fixa."

No ano passado, ganharam popularidade as carteiras de renda fixa com títulos privados. Como têm mais risco de calote nos papéis em que investem, essas carteiras tendem a apresentar lucro maior. Cresceu também o volume de aplicações diretamente em papéis do governo, pelo Tesouro Direto. Por esse caminho, aplicadores, mesmo pequenos, driblam as taxas dos fundos aplicando diretamente nos papéis que recheiam as carteiras.