Título: Futuro sem Lula inquieta o PT
Autor: Bittar, Rosângela
Fonte: Valor Econômico, 03/01/2007, Política, p. A6

Quando se debatia entre uma comissão de inquérito e outra, com intervalos para novas denúncias e renovados desmandos de seus dirigentes, o PT, que passou três anos expondo ao país todo tipo de mazelas, dava um pouco a impressão de ter perdido completamente o seu eixo político. O instinto de sobrevivência, porém, com o resultado por todos visto em 2006, foi muito forte.

O partido se defendeu até do indefensável (dossiê), entregou dissimulado alguns anéis (José Dirceu), pegou de volta outros que fingira ter arrancado (Ricardo Berzoini), trouxe à cena principal atores que mantinha na reserva (Jaques Wagner), e saiu das eleições do ano passado em êxtase com sua proeza: elegeu o presidente da República, 5 governadores, 83 deputados, 11 senadores.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que tinha o firme propósito de controlar o partido no segundo mandato, está vendo ocorrer o inverso: passou a ser por ele dominado e não tem coragem para contrariá-lo. O PT, por enquanto, só tem feito o que quer. Mensaleiros, sanguessugas, compradores de informação e transgressores em geral parecem considerar que a vitória nas urnas equivaleu mesmo a um perdão incondicional. Todos retomaram suas atividades políticas com o traquejo dos profissionais. Com objetivos muito claros.

A resistência à coordenação do presidente, a voracidade com que tem se atirado às disputas de cargo no Legislativo, a negação à partilha do poder com aliados e à redução de espaço no governo têm a ver com uma única questão: a organização da travessia, a aquisição do passe para o futuro. Um futuro sem Lula.

O PT é hoje um painel, amplo e com peças diversificadas, em que busca acomodação um enorme grupo de caciques políticos que se habituou, há 26 anos, desde que a agremiação existe, a ter um eficiente puxador de votos. Haverá um primeiro teste, as eleições municipais de 2008, em que Lula poderá ajudar muito porque estará ainda na Presidência. Orfandade, mesmo, só em 2010.

Toda a preparação para o Congresso do PT em meados deste ano, em junho, já guarda relação com o problema. Aquele momento será decisivo para tomada de posições com relação ao futuro. O Congresso, na expectativa dos que têm ainda liderança no partido, deve fazer um balanço rigoroso do que foram os quatro anos de governo, quais os erros que o PT cometeu ao chegar à Presidência da República, o que precisa evitar a qualquer custo no segundo mandato, além de formular um programa político-eleitoral para viver a experiência de não ter Lula na eleição seguinte.

-------------------------------------------------------------------------------- São três os passos mais importantes para chegar lá --------------------------------------------------------------------------------

No PT do Palácio do Planalto fala-se com muita expectativa em um espetacular governo de Jaques Wagner, na Bahia, suficiente para distingui-lo, no partido e no país, como uma nova liderança nacional forte, capaz de credenciar-se à sucessão de Lula. A conferir nos próximos quatro anos. No momento, fortes mesmo no PT, para qualquer obra, ainda são José Dirceu e Marta Suplicy. Dirceu, até o Congresso e, possivelmente, até outubro, se o Congresso vier a marcar para este mês uma eleição para escolha de novos dirigentes, vai trabalhar para reabilitar-se na política brasileira. Seu objetivo é restabelecer, do ponto de vista jurídico e institucional, a condição de militância política.

Deve se considerar - e o partido também - completamente limpo se a denúncia contra ele não for aceita pelo Supremo Tribunal Federal. Uma jurisprudência de perdão que o partido vem firmando e consolidou, ontem, com a volta de Ricardo Berzoini à presidência do PT porque não foi pessoalmente indiciado, embora chefiasse os indiciados do caso do dossiê das eleições de 2006.

Marta, também, neste momento, está pensando apenas nas suas possibilidades e na maneira de chegar bem situada aos momentos de decisão. Deve conversar com Lula sobre ser ministra no segundo mandato e a forma de combinar isto com as eleições de 2008 e 2010. Lula não quer ministros que tenham que se desincompatibilizar logo, mas Marta pode ser exceção.

A partir de agora, no PT, tudo se volta para condicionar o partido a manter o atual desempenho em futuro próximo. Em 1982, Lula foi candidato a governador e ficou em quarto lugar; em 86, na Constituinte, foi eleito com 500 mil votos; foi candidato a presidente em 1989, perdeu para Fernando Collor mas com grande votação; foi candidato a presidente novamente em 1994, depois em 1998. Venceu em 2002 e agora, em 2006, venceu novamente. Em todas, ganhando ou perdendo Lula, o PT se beneficiou de sua votação e campanha.

Em 2010, pela primeira vez em 26 anos, o PT não terá esta alavanca. A preparação para a nova vida, segundo um líder partidário, está em curso da seguinte forma: "Vamos, primeiro, construir um novo núcleo dirigente, com novos métodos de direção, e que sejam métodos coletivos, em que as decisões sejam tomadas coletivamente".

Até hoje, na avaliação deste dirigente, o PT que vinha sendo construído por José Dirceu e impulsionado pelas votações de Lula tinha instâncias decisórias, mas em todas elas mandava um pequeno núcleo ligado a estes dois líderes. O método foi, nesta avaliação, o responsável por "uma série de desacertos", entre eles os "problemas" que Lula teve que enfrentar entre o primeiro e segundo turnos da eleição presidencial de 2006.

"Qual foi a instância partidária que decidiu a compra do dossiê contra os adversários tucanos?" - pergunta o dirigente, respondendo ele próprio que nenhuma. "Foram instâncias informais, algumas pessoas decidiram com consequências graves para todos". O núcleo decisório tem que voltar a ser a direção, responsável por seus atos.

O segundo passo, é definir como o partido vai se conduzir nos quatro anos do segundo mandato do presidente Lula e que relações vai estabelecer com o governo. E o terceiro, finalmente, definir a sucessão de Lula. Sem Lula.

é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras

E-mail: rosangela.bittar@valor.com.br