Título: PT reclama de 'fogo amigo' de Lula
Autor: Costa,Raymundo
Fonte: Valor Econômico, 03/01/2007, Política, p. A6

No início do segundo mandato é o PT que reclama do fogo amigo de Lula. Essa era uma das questões que a bancada do partido na Câmara pretendia discutir ontem com Luiz Inácio Lula da Silva, em reunião agendada desde a semana passada. O presidente percebeu que outros itens da pauta petista davam margem à discussão sobre a eleição para a presidência da Câmara e decidiu cancelar o encontro. Lula prefere não ser obrigado a arbitrar, pelo menos por enquanto, a disputa entre os dois candidatos da base governista, os deputados Aldo Rebelo (PCdoB-SP) e Arlindo Chinaglia (PT-SP).

A pauta da bancada do PT, que elegeu 83 deputados nas últimas eleições, se resumia a dois pontos: a realização de reuniões periódicas da bancada com o presidente e o papel a ser exercido pelo partido no segundo mandato do presidente. O segundo item abria margem para a discussão não só da eleição na Câmara como a participação do partido no governo, que deve ser reduzida para que Lula possa acomodar os aliados da ampla coalizão que tenta costurar com os partidos.

A idéia dos deputados era "botar o pingo nos is". O PT está incomodado pelo fato de o presidente repetir com freqüência que os maiores problemas de seu governo, no primeiro mandato, foram causados pelo partido. No escândalo do mensalão, Lula limitou a crise ao partido; mais recentemente, chamou de "aloprados" os petistas envolvidos na compra de um dossiê supostamente envolvidos na compra superfaturada de ambulâncias pelo Ministério da Saúde - o chamado escândalo das sanguessugas.

A ironia é que o PT foi acusado, durante todo o primeiro mandato, de abrir fogo amigo contra o governo Lula, especialmente nas questões relativas à economia. Num encontro da bancada de deputados com o ex-ministro Antonio Palocci (Fazenda) um deputado chegou a gravar as palavras do ministro e depois divulgá-las aos jornalistas. O primeiro expurgo no PT governista foi de deputados e senadores que discordaram as reformas e da manutenção da política "neoliberal" do governo tucano anterior.

Agora o PT acredita que é alvo do "fogo amigo" de Lula e quer uma trégua. O argumento, nas palavras de um dos deputados que chegaram a ir a Brasília para participar da reunião, seria sintetizado numa frase: "Você não existe sem o PT, e o PT não existe sem você". Na avaliação petista, a artilharia do presidente diminuiu a importância do partido diante de seus aliados e dá combustível a seus adversários - seja nos Estados ou no Congresso.

A bancada do PT também pretendia definir um calendário de reuniões permanentes com o presidente. Petistas asseguram que não haveria nenhuma intenção de tutela na proposta. E desde já acertar o papel que o partido terá no atual mandato. Segundo líderes partidários, não era intenção da bancada começar a discutir o espaço do partido no governo, mas havia sim a intenção de conversar sobre a candidatura de Arlindo Chinaglia.

Embora manifeste reservadamente preferência pela reeleição de Aldo Rebelo, o presidente não quer passar pelo constrangimento de retirar uma das candidaturas. Prefere que os partidos da coalizão cheguem a um entendimento sobre um nome da base aliada, mesmo que não seja por consenso, o que, admite, seria muito difícil.

O presidente também não fará qualquer restrição ao nome de Aldo Rebelo. Com isso o Planalto avalia que inibiria sua movimentação entre os partidos da oposição - Aldo já recebeu manifestações de apoio de Fernando Henrique Cardoso, José Serra, Roberto Requião (PMDB) e líderes do PFL. Aliás, a retirada de algum dos nomes também permitiria a abertura de espaço para que um terceiro candidato, talvez até da oposição, se apresente, tumultuando a eleição. Com Aldo e Arlindo, a disputa está dentro do governo. O problema é sair dela sem seqüelas.