Título: Lula, o PT e a diferença de estratégia no 2º mandato
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 03/01/2007, Opinião, p. A14

De um lado, um governo tentando articular um governo de coalizão que fuja ao padrão São Francisco de Assis ("é dando que se recebe") do primeiro mandato. De outro, um partido, que também é do presidente da República, lutando por espaços políticos no Executivo e no Legislativo. Como interpretar movimentos tão distintos como os do PT e o do presidente petista, Luiz Inácio Lula da Silva?

Raymundo Costa, em coluna na edição de ontem do Valor, ("Entre os interesses da coalizão e do PT"), dá boas pistas. A começar pelo nome do artigo. De um lado, existe um partido que terá que sobreviver ao segundo mandato: em 2010 não terá mais Lula, o sempre candidato a presidente (em 1989, 1994, 1998, 2002 e 2006) e não tem nomes com a sua popularidade. É uma legenda que passou por uma crise interna e de valores séria - e, se não perdeu massa eleitoral, isso não a livrou do descrédito. Hoje, também, é uma organização cujo equilíbrio de poder interno é dado por um jogo duro entre grupos e cuja unidade é obtida apenas pelo controle da máquina partidária, que dá aos vitoriosos poder de pressão e de punição sobre os derrotados.

De outro lado, existe um presidente da República que assume novo mandato e não tem direito a uma nova disputa - sua ambição passa a ser menos político-partidário e mais de registrar o seu período administrativo na história. É um mandatário que teve problemas de governabilidade no primeiro mandato, e não quer repeti-los, e imensos problemas com o seu próprio partido, que os afastaram.

Ontem, a enorme distância entre os interesses do governo e do partido ficou configurada em mais um episódio: o presidente petista, Ricardo Berzoini, afastado depois do escândalo da quase compra de um dossiê contra o candidato José Serra no período eleitoral, reassumiu o posto "redimido" pelo relatório da Polícia Federal sobre o caso, que o inocentou, e já manifestou apoio formal à candidatura do deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP) à Presidência da Câmara. Chinaglia se move contra a vontade de Lula, que gostaria de mexer o menos possível na estrutura de comando do Congresso e manter nos postos os atuais presidentes da Câmara e do Senado, deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) e senador Renan Calheiros (PMDB-AL). Este avanço petista na estrutura de Poder Legislativo tem razões que ou não são as do Executivo, ou colidem diretamente com os interesses dele.

Por trás da candidatura Chinaglia, existe a tentativa de recomposição de espaços pelo grupo paulista do PT, que esteve no epicentro de todas as crises políticas do primeiro mandato do governo Lula. Está embutida nessa articulação também uma estratégia para viabilizar um candidato petista à sucessão de Lula em 2010. Por enquanto, o único nome que surge é o de uma paulista, Marta Suplicy, que deve também ter um ministério. O grupo também reivindica a presidência da Caixa Econômica Federal. Nesse caso, o movimento é claramente interno: o poder de fogo de Marta para a disputa presidencial sobre os demais postulantes que vierem a aparecer - ou sobre um eventual desejo de grupos de apoiar em 2010 um candidato de fora do partido - depende do poder interno que o seu grupo terá; e a visibilidade do grupo na política nacional é parte dessa estratégia.

Os interesses partidários na questão da disputa pelas mesas claramente se sobrepõem aos interesses do governo. A hora, agora, para o presidente Lula, é de consolidar um governo de coalizão e fazer o menos marola possível no Congresso, onde, nesse primeiro momento, poderá alinhavar acordos suprapartidários. A estratégia política para o segundo mandato está clara: do lado institucional, uma coalizão que dê uma maioria mais sólida ao governo; do lado não institucional, a abertura de canais de pressão diretos da sociedade sobre os seus representantes no parlamento. Atente-se ao que afirmou o presidente, no seu discurso de posse: defendeu mecanismos de democracia participativa, que teoricamente completariam os de democracia representativa, como a organização da sociedade em "conferências nacionais, conselhos e fóruns". O seu PT, no entanto, até o momento se mostra mais um complicador do que um facilitador do governo de coalizão. E, de outro lado, se se atirar no projeto de democracia participativa pode se desvalorizar na negociação institucional com o governo de Lula.

PT e Lula, cada um deles, traçou sua estratégia de poder. Não é mais a mesma.