Título: Integração de empresas de serviços na América do Sul
Autor: Sennes, Ricardo U. e Mendes, Ricardo C.
Fonte: Valor Econômico, 03/01/2007, Opinião, p. A14

A integração sul-americana como foco da política externa do Brasil tem promovido grandes debates e discussões. De um lado, há os que se opõem veementemente a essa estratégia, alegando que o país deve ter como foco mercados mais amplos e desenvolvidos como o norte-americano e o europeu. De outro, defensores da integração regional procuram fomentar uma agenda política bastante ambiciosa, mas que avança muito pouco na prática, devido, sobretudo à incapacidade de um ou mais países da região de bancar econômica e politicamente o processo.

Uma recente pesquisa financiada pela Agência Suíça para o Desenvolvimento e Cooperação indica que ambas as partes parecem estar abordado a questão de forma equivocada. Foram entrevistadas 65 empresas multinacionais (americanas, européias, japonesas e sul-americanas de diversos setores) que atuam em três ou mais países da região, tanto prestadoras de serviços como indústrias. O objetivo do estudo era analisar, da perspectiva do setor privado, os principais obstáculos para a integração dos negócios na América do Sul e propor sugestões para viabilizar essa integração. O trabalho abordou especificamente o impacto da oferta dos serviços de logística, financeiros e energéticos para a integração das operações (perspectiva dos usuários de serviços), assim como os obstáculos para a oferta integrada desses serviços a partir da perspectiva de prestadores de serviços.

A primeira grande conclusão do estudo contraria os opositores da integração regional. Do ponto de vista das empresas multinacionais, a América do Sul é cada vez mais percebida como uma única área de atuação. Noventa por cento das empresas entrevistadas classificaram a importância de atuar de forma integrada na América do Sul como muito alta (36%), alta (13%) ou média (41%). Entre as que consideram a importância de atuação integrada na região como muito alta, destacam-se as empresas latino-americanas, cujo processo de internacionalização começa pela América do Sul, e empresas, sobretudo ibéricas, cuja região é o foco estratégico de atuação internacional.

O estudo indicou ainda que 31% das empresas entrevistadas atuam regionalmente na compra de matérias-primas e materiais de consumo, assim como na contratação de serviços de marketing, consultorias, logística, financeiros, TI, entre outros. Ou seja, uma parcela significativa das multinacionais analisadas estrutura sua estratégia de atuação na América do Sul de maneira integrada. Esse percentual aumenta significativamente se forem levadas em consideração as empresas que compram e contratam serviços regionalmente, em paralelo aos contratos globais (23% das empresas).

Quanto à integração regional das operações de produção e venda, 41% das empresas entrevistadas declararam produzir e vender seus produtos de maneira regionalizada. Já 35% das empresas têm operações de produção e/ou vendas integradas globalmente e 24%, apesar de estarem presentes em diferentes países da região, não integram esses tipos de operações.

Por outro lado, foi constatado que 55% das prestadoras de serviços de logística, financeiros e energéticos, apesar de estarem presentes em três ou mais países da região, não oferecem serviços integrados regionalmente. Essa baixa oferta de serviços integrados de apoio ao desenvolvimento de negócios na região indica, claramente, um dos principais pontos a ser desenvolvido na agenda do Mercosul.

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A pesquisa também indicou que para 57% das empresas entrevistadas a questão logística impacta negativamente a integração de suas atividades na América do Sul. Como já era esperado, para metade delas os principais gargalos logísticos referem-se à qualidade da infra-estrutura física e às complicações nos trâmites aduaneiros. Porém, para a outra metade o problema diz respeito à pouca oferta de serviços de logística oferecidos regionalmente (baixa oferta de vôos regionais, por exemplo).

O impacto dos serviços financeiros para a integração de operações na América do Sul foi indicado como negativo por 23% das empresas. Nota-se que as principais questões que afetam suas operações financeiras regionais são os já conhecidos problemas regulatórios e a falta de apoio governamental às operações regionais, como também a baixa oferta de produtos financeiros regionais. É de se notar que, no quesito serviços financeiros, o impacto sobre a estruturação de negócios regionais é menor na medida em que parte importante das empresas contorna o problema da baixa oferta regional via contratação de serviços bancários junto a suas matrizes ou por meio de bancos globalizados com presença na região. Dezessete por cento das empresas entrevistadas apontaram que a questão da integração energética impacta negativamente as suas operações na região.

O fato das empresas terem indicado que a baixa oferta de serviços regionalizados de logística e finanças impacta negativamente suas operações na América do Sul, combinado com a constatação de que 55% das empresas prestadoras desses serviços não oferecerem serviços de forma integrada, indica que há uma crescente demanda não atendida por esses serviços na região. Vale lembrar ainda que uma parcela significativa de multinacionais opera de forma integrada na região. Portanto, atuar no sentido de fomentar o aumento da ofertas desses serviços pode resultar, ainda no curto prazo, em forte adensamento dos negócios regionais.

Dessa forma, a segunda grande conclusão do estudo indica a necessidade de combinar na estratégia de integração sul-americana as grandes iniciativas políticas visando ao adensamento da infra-estrutura e de acordos abrangentes, com políticas específicas de fomento da oferta de serviços de logística e de finanças. Diversos tipos de incentivos - creditícios, fiscais, regulatórios, entre outros - poderiam ser oferecidos a empresas que se interessem em estruturar ou ampliar a oferta de soluções logísticas e financeiras regionais. Viabilizar o aumento da oferta e a redução dos custos desses serviços regionalizados promoverá incentivos ao incremento dos negócios entre as empresas da região que, por sua vez, irá gerar novas demandas e escala de negócios, favorecendo a ampliação de ofertas e novo barateamento desses serviços.

Outra questão amplamente apontada como prioritária é a facilitação de trâmites aduaneiros. Entre as questões apontadas pelas prestadoras de serviços de logística, destacam-se: padronização e integração das normas aduaneiras, simplificação e automação dos procedimentos, estabilidade das regras, aumento do horário de funcionamento das aduanas e padronização dos controles fitossanitários e dos limites de pesos e tamanhos dos produtos enviados por carga expressa.

Apesar das dificuldades, é crescente o número de empresas que percebem a América do Sul como uma área integrada de atuação. Nota-se, no entanto, que a forma como a questão da integração regional vem sendo abordada muitas vezes desconsidera as necessidades mais imediatas dessas empresas. O "destravamento" de alguns gargalos logísticos e financeiros, conforme visto, pode gerar um novo salto na movimentação dos negócios na região. Uma agenda coordenada entre atores públicos e privados torna política e economicamente mais viável a implementação de políticas públicas e investimentos pró-integração regional.

Ricardo Ubiraci Sennes é sócio-diretor da Prospectiva Consultoria.

Ricardo Camargo Mendes é diretor-executivo da Prospectiva.

Paula Pedroti é gerente de projetos da Prospectiva.