Título: A proteção de investimentos no exterior
Autor: Knox, Kate e Alexopoulos, Ioannis
Fonte: Valor Econômico, 03/01/2007, Legislação & Tributos, p. E2

O Brasil nunca assinou nenhum tratado de investimento bilateral, mas isso não significa que as empresas brasileiras não possam se beneficiar deles. Tratados de investimentos são acordos entre Estados que garantem proteção recíproca aos investimentos feitos por investidores nos territórios dos signatários.

Embora o governo brasileiro nunca tenha assinado nenhum desses tratados, os investidores nacionais podem buscar sua proteção estruturando seus investimentos através de países signatários. Trata-se de um meio de minimizar o risco de que medidas de Estados estrangeiros prejudiquem empresas internacionais instaladas naquele país.

Situações difíceis podem acontecer quando os Estados tomam medidas em detrimento de investimento estrangeiro, principalmente quando não existir nenhuma relação contratual com o Estado estrangeiro. Um exemplo ainda fresco na cabeça de muita gente foi a introdução da lei boliviana de hidrocarbonetos e a nacionalização do seu petróleo e indústria de gás, que deixaram muitos investidores estrangeiros, entre eles a Petrobras, em um estado de incerteza em relação ao futuro de seus investimentos na Bolívia. Tratados de investimento podem trazer uma boa solução para os investidores nestas circunstâncias.

Quando há a assinatura de um tratado de investimento bilateral, o Estado "A" se compromete a promover, proteger e tratar de maneira "justa e equânime" os investimentos efetuados em seu território por investidores do Estado "B" e vice-versa. Originalmente, os tratados de investimento bilateral eram assinados somente entre países em desenvolvimento e países desenvolvidos para encorajar investimento estrangeiro direto nos primeiros. Porém nos últimos anos, o número de tratados têm aumentado drasticamente, seguindo a liberalização dos regimes de ingresso de investimentos estrangeiros diretos nos países, como nas nações do Leste Europeu. Com isso, há hoje no mundo mais de dois mil tratados de investimento bilateral em vigor. Também existe hoje um número crescente de tratados sendo firmados entre países em desenvolvimento, refletindo o aumento de investimento estrangeiro direto entre estes países. Vale dizer que este fenômeno enfraquece o argumento de muitos críticos dos tratados de investimento bilateral, que costumam considerá-los um instrumento imposto pelos países ricos aos mais pobres como uma pré condição para investimento no último.

Normalmente, os tratados procuram proteger investimentos estrangeiros contra desapropriações ou medidas equivalentes sem a devida compensação, e contra o tratamento "injusto e inequânime" de investidores estrangeiros. Ocorre porém que os tratados de investimento bilateral não definem o conceito de tratamento injusto e inequânime. Por exemplo, o tratamento dado pelo governo argentino à empresa do setor de gás CMS foi considerado injusto e inequânime no ano passado pelo tribunal arbitral da Corte Internacional para a Resolução de Disputas sobre Investimentos (ICSID) porque seus investimentos foram desvalorizados em virtude da reforma cambial. O argumento de que a medida econômica tomada pelo governo argentino era essencial devido à crise de 2002 não foi suficiente para sensibilizar os árbitros do ICSID neste caso.

-------------------------------------------------------------------------------- Os tratados bilaterais são poderosas fontes de soluções para empresas brasileiras que invistam no exterior --------------------------------------------------------------------------------

Através dos tratados de investimento estrangeiro, um investidor, empresa ou pessoa física, pode buscar a arbitragem de uma entidade internacional, quando se considera prejudicado com as medidas tomadas por um Estado. A maioria dos tratados possui uma cláusula dispondo que quaisquer disputas serão resolvidas através de arbitragem pelo ICSID, um organismo associado ao Banco Mundial (Bird). Assim, um investidor pode trazer um pedido de arbitragem diretamente contra um Estado, baseado em um tratado de investimento bilateral, mesmo que sua relação contratual com o Estado em questão não seja direta, mas apenas através de uma empresa na qual ele é acionista.

Um tribunal arbitral de tratados de investimentos pode condenar um Estado ao pagamento de compensações pelos prejuízos sofridos, além de juros e custos. O laudo arbitral outorgado pelo ICSID contra um Estado pode ser executado contra todos seus ativos, exceto aqueles protegidos pelo mecanismo da imunidade soberana, válido em qualquer dos mais de 140 Estados partes da convenção ICSID. Os casos baseados em tratados de investimento submetidos à arbitragem do ICSID são divulgados publicamente, característica que aumenta a pressão para os Estados envolvidos cumprirem as decisões.

O Brasil, em contraste com vários outros países, nunca assinou nenhum tratado de investimento bilateral e portanto a arbitragem internacional baseado neste instrumento não seria, a priori, um instrumento à disposição de investidores brasileiros. Por esta razão, a Petrobras, diferentemente das demais empresas privadas que haviam investido na Bolívia - originárias de Estados signatários de tratados com o país, como os investidores BG, Total e Repsol - não poderá pleitear nenhuma compensação baseada em tratado de investimento bilateral contra o governo boliviano por medidas que adotou em relação ao setor de petróleo e gás.

Entretanto, companhias brasileiras podem obter a proteção de tratados de investimento bilateral se operarem através de um terceiro (uma empresa filial ou associada) instalado em um Estado signatário de um tratado com o país onde o investimento foi efetuado. Uma empresa brasileira poderia investir com mais segurança em dutos no Uzbequistão, por exemplo, canalizando este capital através de algum terceiro instalado em país que tenha um tratado de investimento bilateral assinado com o governo uzbeque. Dependendo do país, uma operação dessas pode trazer também adicionalmente vantagens tributárias.

Concluindo, apesar do Brasil não ser signatário de nenhum tratado de investimento bilateral, eles são potencialmente poderosas fontes de direitos e soluções para empresas e pessoas físicas brasileiras que invistam no exterior. Trata-se de uma possibilidade merecedora de exame por investidores brasileiros interessados em estabelecer um meio de proteção de seus capitais no exterior.

Kate Knox, Ioannis Alexopoulos e Paula Franco Moreira são membros do escritório de advocacia DLA Piper UK LLP

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações