Título: Setor de tecnologia cresce com déficit externo
Autor: Salgado, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 28/02/2007, Brasil, p. A5

A produção da indústria intensiva em tecnologia, como aeronáutica, farmacêutica e de informática, cresceu muito acima do setor no ano passado. O nível de atividade deste segmento aumentou 8,5%, três vezes mais do que os 2,8% da indústria geral e dos 2,6% da indústria de transformação. Esse bom desempenho foi ancorado principalmente no crescimento da demanda doméstica, mas veio acompanhado de uma forte deterioração no saldo comercial do setor, já que as importações avançaram 24% e as exportações, 6,8%. Em consequência, o déficit comercial do setor chegou a US$ 11,8 bilhões - alta de 40% em relação a 2005.

O segmento de média-alta intensidade também sofreu redução no saldo da balança e terminou 2006 com um déficit de US$ 1 bilhão. Mas mesmo com um incremento de 17,1% na compra de importados, a produção não avançou tanto: 2,3%. Os dados estão em um estudo realizado pelo Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi).

Para o economista-chefe da entidade, Edgard Pereira, o crescimento da produção com alto uso de tecnologia pode parecer positivo em um primeiro momento, mas esconde um movimento preocupante para a indústria brasileira. "Essa evolução foi às custas de aumento de importação e de menor produção doméstica de componentes."

Os setores mais beneficiados pela demanda interna são também os que contam com uma grande quantidade de componentes importados. O resultado para o país, segundo o economista, é que não se agrega muito valor aos produtos internamente e ainda se perde a oportunidade produzir parte deles aqui, empregando e gerando renda para os trabalhadores.

Pereira argumenta que a demanda por itens mais sofisticados cresceu não apenas por conta dos preços menores, mas principalmente por uma demanda que está de olho em novidades. "Não se pode supervalorizar o efeito do câmbio nesse caso. Houve uma combinação de fatores", diz.

O pior desempenho em termos de produção ficou com as indústrias de média-baixa e baixa intensidade tecnológica. Ambas verificaram uma expansão de 1,7% em suas atividades. E esse pouco dinamismo foi acompanhado de um dado que parece estranho à primeira vista: saldos crescentes na balança comercial.

Esse movimento pode ser explicado em parte pelo aumento de preço das commodities exportadas pelo Brasil. Em 2006, segundo dados da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex), o setor de metalurgia elevou os preços em 40,8%. O de refino de petróleo e petroquímicos reajustou em 12,2% o preço das exportações.

Paulo Gonzaga, pesquisador do Grupo de Conjuntura da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), diz que o déficit comercial em produtos de alto valor agregado era esperado, mas que o desempenho tão acima da média da indústria de alta tecnologia surpreendeu. "Esse movimento é curioso e esteve bastante ancorado no crescimento da produção do setor de informática", diz o economista. Esse segmento industrial foi a estrela de 2006, com alta de 51,4% na produção.

Por conta disso, Gonzaga acredita que os resultados da atividade industrial em 2007 não serão tão heterogêneos. "Dificilmente a informática manterá um ritmo tão forte como o de 2006", diz. Esse setor foi beneficiado tanto pelo barateamento dos componentes importados, devido ao câmbio valorizado, como pelas desonerações tributárias concedidas pela União.

Segundo Pereira, esse tipo de crescimento econômico dependente da exportação de commodities, da produção de itens de menor valor agregado e da importação de componentes fragiliza o país. "Isso ainda não foi percebido, porque estamos vivendo uma situação de excepcional liquidez internacional e também o ápice do ciclo de alta de preços das commodities", diz.

Porém, no momento em que esse cenário se deteriorar, a indústria brasileira poderá passar por maus bocados. Para ele, "é ilusão pensar que a especialização em produtos de baixa intensidade tecnológica é a melhor saída". Ele argumenta que até hoje nenhum país cresceu a taxas elevadas sem internalizar a produção de bens mais sofisticados.

Na avaliação do Iedi, as empresas brasileiras podem produzir boa parte dos produtos que hoje importam, mas é preciso investimento. E, no atual cenário de juros reais altos e câmbio valorizado, fica difícil viabilizar a produção internamente. O economista da UFRJ também acha que o país caminha para uma armadilha. "Não podemos produzir apenas aquilo para o que temos vocação. É possível e necessário construir vocações em outras áreas", diz.

Gonzaga afirma que não defende uma volta ao passado, com o fechamento da economia, mas acredita ser possível estimular e proteger alguns setores estratégicos para o país. "Em princípio, a importação não é ruim. O problema é que ela chegou a níveis muito altos devido à distorção cambial."