Título: Ex-embaixador nos EUA critica entrada da Venezuela no Mercosul
Autor: Leo, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 28/02/2007, Brasil, p. A7

Convocado para explicar ao Senado críticas à política externa divulgadas por ele no início do mês, o ex-embaixador do Brasil nos Estados Unidos, Roberto Abdenur, foi além: acusou a Venezuela de estar se tornando uma "ditadura", o que torna "precipitada" e inconveniente a incorporação do país ao Mercosul, com apoio do governo brasileiro. Pela primeira vez um ex-diplomata faz uma acusação tão explícita ao governo de Hugo Chávez. Abdenur defendeu iniciativas da política externa, como a campanha por um assento para o Brasil no Conselho de Segurança da ONU, mas reiterou acusações de influências "ideológicas" nas promoções do Itamaraty.

A Venezuela tem "ideário contraditório" ao Mercosul, por privilegiar o "escambo" de petróleo por mercadorias e adotar medidas "incompatíveis com o compromisso democrático do Mercosul", disse o diplomata. O Itamaraty argumenta que há eleições livres e ativa imprensa de oposição na Venezuela.

Após manifestar temores de que a abertura de novas embaixadas na África, pelo governo Lula, possa provocar futuros problemas orçamentários no Itamaraty, Abdenur afirmou ter faltado dinheiro para realizar ações de promoção de exportações nos EUA. Ele culpou a "excessiva ênfase nas relações Sul-Sul" pela falta de recursos "financeiros, humanos e materiais" à embaixada nos EUA.

Sem recursos, segundo Abdenur, a ação da embaixada limitou-se a evitar prejuízos, com negociações para eliminar medidas antidumping contra produtos brasileiros, garantir a manutenção do Brasil da lista de preferências comerciais americanas e evitar represálias a pretexto de pirataria de direitos intelectuais.

Embora acusasse o Itamaraty de ter "ranços de antiamericanismo", negou ter notado o mesmo no assessor internacional da Presidência, Marco Aurélio Garcia. "Sempre encontrei de Garcia uma atitude extremamente positiva em relação aos Estados Unidos", disse Abdenur, sabatinado pelos senadores por seis horas, sem almoço.

Bem-humorado, Abdenur lembrou ter integrado, nos anos 70, o grupo de assessores do então chanceler Azeredo da Silveira, apelidados pelo embaixador americano Anthony Motley de "barbudinhos esquerdistas do Itamaraty". Disse até ter apreciado o seqüestro de outro embaixador americano pelo grupo guerrilheiro integrado pelo hoje deputado Fernando Gabeira. "Na época gostei muito, mas hoje não gosto da idéia de seqüestro de embaixadores, em geral", gracejou.

Abdenur elogiou o empenho do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para eliminar as dúvidas sobre a política econômica do governo, para investidores nos EUA, e insistiu que as relações entre EUA e Brasil são "excelentes", com contatos regulares entre o ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim, e autoridades americanas.

"Não há lugar para posturas ideológicas de aversão ou distanciamento dos Estados Unidos" disse o ex-embaixador, criticando, sem citar nomes, acusações à iniciativas como a Alca, como tentativas de "anexação" do Brasil. Um dos defensores desse tipo de idéia, o secretário-geral do Itamaraty, Samuel Pinheiro Guimarães, foi usado como principal argumento de Abdenur para sustentar a acusação de "ideologização" do Itamaraty. Os acordos firmados por outros países da região com os EUA não trouxeram vantagens adicionais a esses países e "impingiram" sérias concessões, ressalvou.

Ele citou entrevista de Guimarães à "Folha de S. Paulo", em que o secretário-geral fala em "nichos de resistência" removidos no Itamaraty para reiterar a acusação de que critérios políticos e de afinidade ideológica influiriam nas promoções no Itamaraty. Lembrou ter assistido a atos semelhantes no passado, por motivos apolíticos "de antipatia" de superiores contra subordinados qualificados "mas nunca por razões ideológicas". As acusações levaram o presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, Heráclito Fortes, a sugerir sessão secreta para discutir o tema, o que constrangeu Abdenur. "Isso não foi capaz de alterar o corpo do Itamaraty, uma instituição de prestígio", argumentou.