Título: Deter a valorização do real não é uma tarefa simples
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Fonte: Valor Econômico, 28/02/2007, Opinião, p. A14

As reservas internacionais atingiram US$ 99,7 bilhões no dia 26 e a cotação do dólar continua tentando encostar na casa dos R$ 2. O ímpeto do ingresso de dólares indica que, mantida a disposição de compra da moeda americana pelo Banco Central, as reservas crescerão muito além dos US$ 100 bilhões. Como na história do Brasil são raras as crises produzidas por uma abundância de dólares, trata-se de um bom problema. Pode-se discutir os prejuízos eventuais que ela acarretaria a setores específicos, reconhecendo-se, porém, que a redução do grau de dependência externa e melhoria significativa do estado da economia são as causas determinantes para a elevada entrada de moeda estrangeira.

Há uma distinção nítida da origem do fluxo de dólares para o país. Ele é proveniente, na maior parte, dos enormes superávits comerciais. Entre 2003 e 2005, o Brasil acumulou saldo positivo de US$ 100 bilhões. Em 2006, ele foi novamente recorde, com US$ 46 bilhões. Para 2007, as projeções são de novo e bom superávit, na casa dos US$ 35 bilhões nos cenários pessimistas. Sem considerar outros fatores, os saldos comerciais atuais foram suficientes para cobrir praticamente sozinhos toda a necessidade de financiamento externo do Brasil.

Não é uma exceção brasileira. A forte liquidez internacional reduziu muito o custo das captações externas para empresas de países emergentes, que trocaram dívida cara por outra mais barata, alongaram prazos ou simplesmente resgataram seus débitos externos. Com isso, caiu muito as remessas para pagamento de obrigações em dólares. Na maior parte dos emergentes, houve acúmulo substancial de reservas e melhores condições de financiamento para os títulos públicos e privados.

Atingir um novo equilíbrio cambial, neste ponto, dependerá em boa medida da redução dos saldos comerciais. As importações estão há meses crescendo mais que as exportações e as remessas de lucros e dividendos em 2006 empataram com o ingresso de investimento externo direto. Os investimentos externos de empresas brasileiras tornaram-se significativos. A dúvida é se alguns setores industriais terão capacidade para aguentar a maré montante de produtos importados.

Não é fácil distinguir os setores que perderam competitividade por causa de uma eventual valorização cambial daqueles que teriam dificuldades com qualquer cotação abaixo de uma claramente desvalorizada. Neste ponto, a concorrência chinesa, quase que com qualquer câmbio, potencialmente desalojará setores nacionais. Basta ver o acúmulo de déficits comerciais da América Latina com a China, por mais distintas que sejam as situações de suas moedas. A Argentina mantém o peso artificialmente desvalorizado e ruma para um resultado negativo com os chineses. O Brasil, onde o contrário estaria ocorrendo, toma a mesma direção.

O jogo de forças das moedas tende a se reequilibrar, mas leva tempo. Mas, salvo um súbito encolhimento da liquidez externa, ou desaceleração razoável da economia global - ambos pouco prováveis até agora - a pressão pela valorização do real continuará. O câmbio continua sendo o mais enigmático dos problemas econômicos e as sugestões de como melhorar a situação do real não são muito felizes. O controle de capitais é supérfluo, pois não há ingresso de divisas abundante desvinculado do fluxo comercial e de serviços. Um imposto sobre produtos exportados desestimularia investimento nos setores competitivos e implicaria alto grau de arbitrariedade na escolha dos beneficiados, já que no Brasil não existe um ramo nitidamente delineado que puxa os superávits, como o cobre, no caso chileno, por exemplo. Já a redução unilateral de tarifas de importação daria uma pancada adicional nas empresas que estão com sua competitividade ameaçada de erosão. A saída mais razoável parece ser a destinação de linhas de financiamento para a reconversão dos setores afetados pela concorrência externa, com eventuais incentivos fiscais para esse fim.

Quanto aos juros muito altos, são um convite para a aposta pela valorização do real. Tornam muito custoso o acúmulo de reservas e precisam ser reduzidos mais rapidamente. Mas, na ausência de um ajuste fiscal de qualidade, para zerar o déficit nominal e baixar impostos, a queda dos juros terá efeito bem limitado sobre o câmbio.