Título: Sugestões para uma agenda de debate sobre a Previdência
Autor: Dedecca, Claudio S.
Fonte: Valor Econômico, 28/02/2007, Opinião, p. A14

Desde as eleições, o presidente Lula tem sinalizado em direção a uma nova estratégia para o encaminhamento da reorganização do Regime Geral de Previdência Social. Ele constituiu um fórum de discussão que analisa as possibilidades de reorganização do sistema de forma mais complexa e acurada. Isso indica o abandono da estratégia de reforma baseada em mudança do tipo "once for all", no estilo das realizadas em 1998 e 2003. A nova estratégia tem sido reiterada pelo ministro da Previdência Social e considerada adequada por diversos segmentos organizados da sociedade.

É evidente que há um reconhecimento implícito da ineficácia da estratégia até então adotada e a afirmação da necessidade de buscar uma outra de natureza distinta que produza resultados expressivos.

Nesta nova perspectiva se estabelece a possibilidade de um debate mais cuidadoso e democrático sobre a reorganização do RGPS, que rompe o circulo restrito aos denominados especialistas e governo e que pode permitir que possíveis mudanças tenham respaldo e legitimidade mais ampla na sociedade brasileira. É o momento, portanto, de se discutir uma agenda que possa alimentar o debate sobre a mudança.

Nessa perspectiva é possível apontar, ao menos, três temas relevantes para uma discussão mais abrangente sobre um novo ou reformulado RGPS.

O primeiro deles refere-se ao modelo de sistema de previdência, que atualmente abarca benefícios vinculados ao mercado de trabalho e outros de proteção social. Esta característica do modelo brasileiro é reproduzida em outros países do mundo, onde a desigualdade apresenta menor expressão, como nos europeus. Definido pela Constituição Federal de 1988, este modelo tem sido objeto de crítica e é o principal alvo de ataque daqueles que defendem uma reforma dominada pelo ajuste fiscal, apesar da inegável contribuição do sistema atual para a redução da desigualdade no país e de proteção aos mais idosos.

A constituição de um fórum obrigatoriamente deverá levar informação detalhada para a sociedade para que ela decida sobre a continuidade desse modelo de proteção previdenciária e social. Caberá a ela dizer se é ou não justo jogar milhões de idosos em situação ainda maior de pobreza, em razão de uma reorganização do RGPS que reitere sua vinculação ao mercado de trabalho formal.

O segundo tema decorre do primeiro, isto é, como financiar o modelo de proteção previdenciária desejado pela sociedade. Se mantido o atual escopo, necessariamente haverá necessidade de se manter e mesmo ampliar seu financiamento através de receitas fiscais ou de contribuições que não decorram da folha de salários das empresas e nem do mercado de trabalho formal.

Ao contrário do que defendia em 2003, o governo Lula tem argumentado a favor de uma base de financiamento nos moldes propostos pela Constituição Federal de 1988, que ampliou as fontes de financiamento para além das contribuições relacionadas à folha de salários.

-------------------------------------------------------------------------------- Uma discussão mais cuidadosa do RGPS exigirá que se construa um novo compromisso da política econômica com a social --------------------------------------------------------------------------------

A discussão desse tema depende da democratização das informações atuais do sistema, por elas serem decisivas para a definição de uma estratégia mais consistente sobre as possibilidades de reestruturação de suas bases de financiamento. O governo vem sinalizando sua intenção de prover a sociedade dessas informações.

Finalmente, um tema obrigatoriamente deverá ser incorporado ao debate: as relações entre o crescimento, o aumento de produtividade, a mobilidade sócio-econômica e o financiamento da proteção previdenciária e social.

Os sistemas de proteção social, difundidos ao mundo a partir dos países europeus ao longo do século XX, consideravam que aquela de natureza previdenciária dependia de três condições básicas: crescimento com aumento do emprego e da produtividade; perfil de renda dos atuais ocupados mais favorável que aquele observado para a geração anterior; e mobilidade sócio-econômica. Este três elementos eram vistos como fundamentais em razão de permitirem que a receita previdenciária atual fosse potencialmente mais elevada que os gastos correntes do sistema, devido ao nível de emprego mais elevado e o padrão de remuneração mais favorável dos trabalhadores presentes no mercado de trabalho, em comparação ao observado para a geração anterior.

Todas essas condições encontram-se ausentes hoje na sociedade brasileira. E, portanto, deverão ser reconquistadas para a sustentação de qualquer sistema de previdência que venha ser estabelecido futuramente.

Esta agenda básica é suficiente para mostrar a deficiência da estratégia anterior de reforma da previdência, mas ao mesmo tempo o desafio que deverá defrontar a sociedade em relação ao seu debate e a construção de uma nova perspectiva para a reorganização do sistema.

Ademais, uma discussão mais cuidadosa do RGPS exigirá obrigatoriamente que se construa um novo compromisso da política econômica com a política social. E, principalmente, com o crescimento e o desenvolvimento do país. Afinal, na ausência desses não haverá sistema previdenciário sustentável, como bem mostram as experiências com êxito dos países desenvolvidos.

Evidencia-se, enfim, o desafio que o tema transmite para a sociedade brasileira, bem como a mediocridade que dominou sua discussão até recentemente.

Claudio Salvadori Dedecca é Professor do Instituto de Economia da Unicamp.