Título: Mérito dos fundos de participação
Autor: Wolf, Martin
Fonte: Valor Econômico, 28/02/2007, Opinião, p. A15

De novo, a invasão de bárbaros. O anúncio, nesta semana, da maior aquisição já ocorrida de uma empresa de capital aberto por um fundo de investimento em participações - a compra da TXU, uma das maiores companhias de eletricidade nos EUA, pela Kohlberg Kravis Roberts e pelo Texas Pacific Group por US$ 45 bilhões - confirma uma tendência.

Para seus defensores, os fundos de investimento em participações tornam as empresas mais eficientes. Para os críticos, esses bárbaros são manipuladores financeiros e dilapidadores de ativos. Quem está com a razão? Uma resposta óbvia é que a gestão desses fundos é uma atividade crescente na qual os que se dispõem a vender encontram-se com os dispostos a comprar. Se essa atividade prospera, ela deve ser lucrativa. Se é lucrativa, deve também estar agregando valor.

Quando tais fundos financiam companhias recém-criadas ou pequenas e médias empresas, poucos questionam o argumento. Já o fechamento do capital de companhias negociadas em bolsa bem conhecidas e com enormes números de funcionários é outra história. Mas por que deveríamos duvidar dos benefícios de tais aquisições? Não estariam elas contidas na ampla categoria de transações benéficas?

Para isso existem três respostas possíveis. Na primeira, os investidores são simplesmente estúpidos. Como Michael Gordon, do Fidelity, argumentou (Financial Times, 30 de janeiro), "as instituições optam por assumir uma forma de investimentos que proporciona pouca diversificação real em carteira de ações ao longo tempo; implica maiores riscos devido à alavancagem; é muito menos transparente do que uma carteira de ações - e para concretizar tais negócios as instituições sujeitam-se a pagar um ágio". Em segundo lugar, governos estão subsidiando essa manipulação, ao conceder regime tributário mais vantajoso ao que estão sujeitos investidores em ações. Em terceiro, conflito de interesses dão margem para compradores privados subornarem administradores para que aceitem ofertas contrárias aos verdadeiros interesses dos acionistas.

Contra tais acusações, os defensores dos fundos de participação têm uma resposta convincente, dada por David Haarmeyer no FT (cartas, 26 de fevereiro): "O fechamento do capital concentra o controle proprietário na administração e no fundo de participações. Isso resolve o inevitável conflito de interesse existente em companhias de capital aberto, quando há acionistas pulverizados e administradores com pequeno interesse proprietário".

Além disso, o fechamento do capital permite que empresas escapem de regulamentação excessiva, de custosas ações judiciais movidas por acionistas e da tirania de relatórios trimestrais. Além disso, o incentivo fiscal ao endividamento excessivo independe de as companhias serem de capital fechado. Por último, o elevado nível de endividamento implica que os administradores se concentrem em operar os negócios com eficiência.

Mas é também evidente que os fundos de participação eliminam um conflito de interesses às custas da criação de outro, novo: entre os "sócios gerais", incumbidos da gestão dos fundos, e os "sócios limitados", que neles investem. Aos sócios gerais têm sido paga uma taxa anual de administração entre 1,5% e 2%, com uma participação de 20% dos lucros. Assim, eles compartilham muito mais nos bons tempos do que nos maus momentos com seus investidores externos. Isso, para eles, é um forte incentivo a "arriscar todas as fichas" sempre que seus fundos vão mal.

Os conflitos não podem ser resolvidos na teoria. Dados os conflitos de interesse inerentes à forma de organização empresarial, apenas empiricamente se pode responder se o controle proprietário restrito é mais eficiente do que o pulverizado.

-------------------------------------------------------------------------------- Investir nesses fundos é arriscado e devem ter enorme cautela até mesmo aqueles investidores profissionais e mais sofisticados --------------------------------------------------------------------------------

Um estudo de Steven Kaplan, da Universidade de Chicago, e Antoinette Schoar, do Instituto de Technologia de Massachusetts (MIT), concluiu que entre 1980 e 2001 "os retornos médios dos fundos, descontadas as taxas, igualam, aproximadamente, o Standard & Poor´s 500" (Private Equity Performance, National Bureau of Economic Research Working Paper 9807, June 2003, www.nber.org; ). Além disso, "em média, os retornos proporcionados pelos fundos envolvidos em aquisições alavancadas, descontadas as taxas, são inferiores aos do S&P 500". Eles concluíram haver, além disso, considerável, mas duradoura, variabilidade no desempenho dos administradores. Mas outro estudo, de Alexander Ljungqvist e Matthew Richardson, da Stern School, na Universidade Nova York, analisando conjunto de dados um pouco diferente, concluiu que entre 1981 e 2001 fundos maduros geraram taxa interna de retorno de 19,8%, excluídas as taxas, ou bem acima dos 14,1% produzidos pelas ações no S&P 500 (The Cash Flow, Return and Risk Characteristics of Private Equity, www.nber.org).

A conclusão é que tem sido possível um bom desempenho com fundos de participação. O ponto crucial é escolher o administrador certo. Alguns investidores sabem fazer isso melhor do que outros. Fundos de instituições sem fins lucrativos, como universidades, têm conseguido ganhar quase 14 pontos percentuais acima da média, ao passo que "fundos selecionados por consultores de investimentos e bancos têm desempenho bastante inferior" (Josh Lerner, Antoinette Schoar and Wan Wong, Smart Institutions, Foolish Choices NBER Working Paper 11136, February 2005, www.nber.org ).

Finalmente, sobre se os retornos são gerados às custas da saúde das empresas no longo prazo, há outro estudo, de Jerry Cao, do Boston College, e Josh Lerner, da Harvard Business School, que analisaram o desempenho, após a abertura de capital, de quase 500 empresas controladas por fundos de participação que lançaram ações entre 1980 e 2002 (The Success of Reverse-Leveraged Buy-Outs, http://hbswk.hbs.edu ). Concluiu que essas ações tiveram um desempenho superior ao do mercado como um todo e melhor do que as ações lançadas em outras ofertas públicas iniciais de ações (IPOs).

Que conclusões deveria tirar o analista?

Primeiro, investir nesses fundos é arriscado e devem ter enorme cautela até mesmo os investidores sofisticados. Embora alguns fundos tenham apresentado desempenhos muito bons para investimentos alavancados, em cenários favoráveis, para outros isso não aconteceu.

Segundo, embora haja bons argumentos em defesa do controle proprietário fechado até mesmo para companhias de grande porte, existem argumentos contrários razoáveis. Até que ponto os fundos de participação implicam duradoura e substancial melhoria no desempenho de grandes companhias de capital aberto é, até agora, uma incógnita. Mas o capitalismo é processo de tentativas e erros de longo prazo. Deveríamos ver com bons olhos as tentativas. Assim que aprendemos.

Terceiro, os governos deveriam eliminar as distorções de tributação, regulamentação e de operação do sistema jurídico que possam estimular decisões erradas de alavancagem e controle proprietário.

Quarto, os acionistas e a administração de companhias de capital aberto deveriam tentar emular os aspectos benéficos dos fundos de participação, esclarecendo melhor o papel do conselho de administração e, se apropriado, assumindo endividamento adicional.

Finalmente, os administradores de fundos de participação precisam compreender que ficaram muito grandes para permanecer na sombra. Devem colocar seus argumentos perante o tribunal da opinião pública. Se não o fizerem, suas asas serão cortadas. Esse é o preço da democracia.