Título: Conjuntura é oposta à da crise da dívida dos anos 80
Autor: Ribeiro, Alex
Fonte: Valor Econômico, 28/02/2007, Especial, p. A16

Embora não deixe de ser um problema, a abundância de reservas internacionais é para o Banco Central algo bem menos desagradável do que a situação vivida entre 1982 e 1983, quando a crise da dívida externa da América Latina fez com que faltassem dólares para honrar os compromissos do país.

"Não existe regra para agir nessas situações", diz Carlos Eduardo de Freitas, na época chefe do Departamento de Operações das Reservas Internacionais do BC. "Saíamos ao campo de batalha todas as manhãs para ver como, naquele dia, conseguiríamos sobreviver."

Nas estatísticas oficiais, as reservas não chegam a cair a zero na crise da dívida. Fecharam em US$ 3,877 bilhões em outubro de 1982, dois meses depois da moratória do México. Era praticamente a metade dos US$ 7,505 bilhões registrados em dezembro de 1981. Mas, para quem estava encarregado de fazer os pagamentos ao exterior, a sensação era a de que não havia nada no caixa. "Fizemos mágica até fevereiro de 1983, quando foi assinado um acordo com o FMI."

A estratégia adotada na época foi, primeiro, mobilizar todos os esforços para novas captações, por meio de um comitê que se reunia logo pela manhã. O passo seguinte foi encurtar o prazo das operações, aumentando o giro. Na época, o Federal Reserve elevou o juro de forma inesperada, gerando perdas no mercado financeiro. O Brasil, devido à crise, já aplicava reservas em prazos mais curtos e não teve prejuízo.

"Os comentários no mercado eram de que tínhamos administrado muito bem as reservas, já antecipando a alta dos juros americanos", diz Freitas. "Mas foi puro acaso. Não perdemos dinheiro simplesmente porque, como faltavam reservas, não tínhamos alternativa senão investir no curto prazo."

Outras estratégias foram tomadas pelo BC, como concentrar pagamentos nos dias em que a moeda sofria minidesvalorizações - quando exportadores desovavam dólares. Na época, o país adotava regime de câmbio praticamente fixo, com correções periódicas da taxa. Exportadores e empresas que captavam no exterior estavam obrigados a vender moeda estrangeira para os bancos, que faziam o repasse ao BC. O BC supria a demanda de dólares do mercado.

Depois da moratória mexicana, o BC conseguiu evitar o "default" por seis meses, até fevereiro de 1983. "Para nós, atrasar um pagamento era algo desconhecido", diz Freitas. "Não sabíamos o que poderia ocorrer no dia seguinte, se iria faltar dinheiro para as importações." Na época havia importação de produtos essenciais, como insulina.

Freitas lembra que estava em Washington quando o país teve que jogar a toalha. Nem o BC nem o Banco do Brasil, que atuava como linha auxiliar na administração das reservas, tinham dinheiro. "Parecia o fim do mundo quando avisei meus superiores, com um telefonema, que não dava mais, senão até o BB iria quebrar", diz Freitas. "Para a minha surpresa, a repercussão foi menos forte do que eu receava. O 'default' já era esperado e, quando aconteceu, já havia sido absorvido por todos."