Título: Reservas alcançam recorde e superam os US$ 100 bilhões
Autor: Ribeiro, Alex
Fonte: Valor Econômico, 28/02/2007, Especial, p. A16

As reservas internacionais, com as aquisições de dólares no mercado feitas até ontem, já ultrapassaram a barreira dos US$ 100 bilhões. Anteontem, as reservas chegaram a US$ 99,716 bilhões, e a elas devem ser somadas as aquisições feitas pelo BC a partir de sexta-feira, que são liquidadas com dois dias de defasagem.

As indicações do BC são de que o programa de fortalecimento de reservas ainda não terminou. Na opinião do BC, o acúmulo de reservas fez o país caminhar bastante em alguns indicadores de vulnerabilidade externa, mas o Brasil continua atrás de outras economias emergentes, sobretudo as que atingiram o grau de investimento.

Em meados de 2006, o BC divulgou amplo estudo comparativo entre o Brasil e outros emergentes.

O economista Caio Megale, da Mauá Investimentos, atualizou alguns desses indicadores. "A conclusão é que já avançamos bastante, e são pequenos os ganhos que podemos ter nessa área com o acúmulo de reservas", afirma.

Pelo estudo do BC, em 2005 a relação entre reservas e dívida total era de 0,28. Em um conjunto de 22 economias emergentes, o Brasil só ganhava de três: Argentina, Indonésia e Hungria. De lá para cá, diz Megale, o índice subiu para 0,59. O país subiu 11 posições.

A relação entre reservas e pagamentos de juros subiu de 3,7 para 6,6. Nesse quesito, o Brasil ocupava a última posição em 2005. Em janeiro de 2006, já havia avançado quatro posições. Mas ainda estava abaixo da mediana dos países emergentes, que era 12,62.

O levantamento feito por Megale é uma tentativa de medir, de forma mais objetiva, o grau adequado de reservas. Geralmente, as avaliações sobre o nível de reservas são feitas de maneira parcial. Críticos do BC costumam apontar apenas os custos. E o próprio BC enfatiza apenas os ganhos.

O custo real de manter reservas não é fácil de ser medido. A conta normalmente feita é medir o diferencial entre juros internos e externos. Quando o BC compra reservas, emite reais, que, para evitar pressões inflacionárias, são absorvidos pela emissão de títulos públicos. O custo seria a diferença entre o que o BC recebe na aplicação das reservas (5%, segundo disse ontem ao Senado o presidente do BC, Henrique Meirelles) e os custos da emissão de títulos (taxa Selic, hoje em 13%). O custo seria de 8%, ou algo como R$ 16 bilhões, se as reservas forem mantidas em US$ 100 bilhões durante um ano inteiro.

Esse cálculo, porém, deixa de levar em consideração que o fato de as reservas estarem mais altas dá maior estabilidade econômica, permitindo juros mais baixos. "No passado, choques externos levaram a altas de juros", afirma Tomás Málaga, economista do Itaú. "Se as reservas são maiores, a tendência é que o BC não vá fazer grandes movimentos na taxa de juros daqui por diante."

O difícil é calcular esse benefício. Em tese, se os juros puderem ficar 0,5 ponto percentual menor, isso gera ganho sobre toda a dívida mobiliária, na casa de R$ 1 trilhão.

Outro fator que deve ser deduzido, como argumentou em artigo no Valor o economista Alkimar Moura, da FGV-SP, é o ganho tributário. Quando o BC compra dólar, os bancos ficam com títulos públicos. O lucro dos bancos cresce, os impostos crescem e o custo das reservas cai.

O outro lado da equação são os benefícios do acúmulo de reservas. O mais lembrado é que as reservas são um seguro contra crises. "O seguro contra incêndio é caro apenas enquanto não ocorre um incêndio", disse Meirelles ontem . "Quando há incêndio, fica barato."

Economistas da Mauá tem se ocupado em medir, por meios estatísticos, a probabilidade de uma crise. Numa conta que leva em consideração fatores como o regime de câmbio, o déficit em conta corrente e as próprias reservas, chega-se à conclusão de que, em 2002, a probabilidade de uma crise nos 12 meses seguintes era de cerca de 15%. Hoje, chega-se a algo como 1,5% e 2%.

Na hipótese de acontecer um incêndio na economia, qual é o tamanho provável? Em 2002, houve fuga de capitais de US$ 30 bilhões. Dois anos antes, na crise russa, evaporaram quase US$ 50 bilhões das reservas. Juntando os dois fatores, pode-se concluir que não há mais sentido em aumentar o volume de reservas.

O seguro não é o único ganho. O aumento de reservas abre caminho para juros mais baixos internamente. E também produz a queda do risco Brasil, permitindo que empresas captem mais barato no exterior. Não há fórmula objetiva de medir isso.

O outro lado da moeda, lembra Málaga, é que ao mesmo tempo em que o aumento das reservas reforça indicadores de vulnerabilidade externa, deixa indicadores fiscais mais vulneráveis. "Países asiáticos podem acumular mais reservas porque não têm a fragilidade fiscal comum da América Latina", diz.

Outro ganho é que, com o acúmulo de reservas, o BC suaviza movimentos na taxa de câmbio - criando um ambiente mais estável e previsível. Para alguns economistas, esse é o único motivo que leva hoje o BC a aumentar reservas. "A compra de dólar é uma imposição ao BC", afirma Luiz Fernando Lopes, do Pátria Banco de Negócios. "Com a enxurrada de dólares, sobretudo de exportações, não há outra saída."