Título: Secretário defende mudanças na legislação do Brasil
Autor: Galvão, Arnaldo e Basile, Juliano
Fonte: Valor Econômico, 27/02/2007, Brasil, p. A4

Além do reconhecimento mais freqüente do interesse nacional, o que evitaria que a sociedade pagasse pela proteção concedida a um fabricante local, Marcelo Saintive, secretário de Acompanhamento Econômico, e Andréa Pereira Macera, coordenadora-geral de Análise de Mercados da Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae), defendem outras mudanças na legislação.

Eles advertem que é preciso mais rigor ao julgar processos de defesa comercial baseados no conceito de "melhor informação disponível". Isso pode significar pouca investigação e muita dependência dos dados fornecidos pelo próprio peticionário.

Outro ponto obscuro nesses casos antidumping é a aplicação do conceito de "produto similar". Como a definição é exageradamente ampla, a Seae pretende aperfeiçoar a legislação. Andréa explica que as normas antidumping da Organização Mundial do Comércio (OMC) não obrigam as partes envolvidas a fornecerem informações confiáveis. Essa falha foi repetida no Decreto 1.602/95.

Mas os problemas não param aí. A Seae alerta que outra falha nesses processos antidumping é a falta de rigor no estudo das possibilidades de substituição dos produtos, o que acaba ampliando de maneira exagerada a definição de "mercado relevante". Tudo isso, segundo Andréa, acaba favorecendo quem pede a proteção tarifária contra importações, mas ela defende que esses processos passem a exigir um profundo estudo econômico sob as óticas da demanda e da oferta. Todos esses defeitos estruturais revelam, segundo as análises da Seae, o viés protecionista desses processos antidumping.

Em novembro do ano passado, os sete ministros da Camex, decidiram que as importações de cimento portland fabricado no México e na Venezuela continuariam sendo taxadas ao entrarem no mercado brasileiro. Dessa maneira, foram desconsiderados os argumentos defendidos por Saintive no Comitê de Gestão da Camex (Gecex) e as razões levadas pelo secretário-executivo da Fazenda, Bernard Appy, na reunião ministerial. Mas apesar da aparente derrota, a Seae afirma que houve algum avanço porque a Camex admitiu que as medidas antidumping tinham de ser suspensas para o Estado de Roraima.

Em economia, tudo tem preço e alguém acaba pagando. No caso do cimento portland, o parecer da Seae recomendou que os ministros da Camex rejeitassem o pedido de prorrogação das tarifas contra as importações do México (22,5%) e da Venezuela (19,4%) determinadas em 2000. A empresa interessada, Itautinga S.A., é controlada pelo Grupo João Santos, dono das três únicas fábricas de cimento da Região Norte.

A Seae também argumentou que o mercado de cimento portland é dividido regionalmente entre os fabricantes, o que reduz a concorrência entre eles. Além dessa estratégia empresarial, as características do produto também colaboram para que o consumo seja local. O cimento é relativamente perecível e tem baixa relação entre preço e peso. Tudo isso impede a formação de grandes estoques e inviabiliza o transporte além de um raio médio de 500 quilômetros. O Grupo João Santos está presente em seis Estados: Amazonas, Pará, Maranhão, Piauí, Ceará e Rio Grande do Norte.

É grande o impacto dessa falta de concorrência no preço pago pelo consumidor. A Seae verificou que os valores cobrados pelo cimento portland na Região Norte estão acima da média nacional, "sendo particularmente grande o ágio em Roraima e no Acre". Entre as causas desse problema podem estar o custo do frete, mas também "o exercício do poder de mercado do Grupo João Santos", segundo a secretaria.

A Seae também alertou os ministros da Camex que, depois da aplicação das medidas antidumping, em julho de 2000, "houve forte crescimento do ágio em Roraima, o que também ocorreu no Amazonas e no Pará a partir de 2004. O salto no preço do produto foi de 50% em Roraima, o que contrastou com a queda de 8,3% do preço médio do cimento no país.

E o parecer da Seae também apelou a um dos principais objetivos do governo: estímulos aos setores da construção civil, principalmente na habitação para os que ganham menos, e do saneamento. Portanto, que sentido faz manter a proteção contra a importação de cimento? "A concorrência propiciada pelo fim da aplicação do direito antidumping poderia trazer o barateamento dos preços do cimento de modo complementar às recentes medidas governamentais de apoio à construção civil", recomendou a Seae, em vão. (AG e JB)