Título: Estudo da Fazenda vê excesso em adoção de medidas antidumping
Autor: Galvão, Arnaldo e Basile, Juliano
Fonte: Valor Econômico, 27/02/2007, Brasil, p. A4

Estudos recentes da Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae) do Ministério da Fazenda alertam para o fato de que algumas medidas antidumping que vêm sendo adotadas pelo governo brasileiro, nos últimos anos, estão servindo mais para proteger a indústria nacional do que para cumprir seu objetivo original, de proteção da economia local contra práticas desleais de comércio.

Pelo levantamento da Seae, algumas medidas podem ter servido como mecanismo de isolamento contra a competição de produtos importados, o que revela protecionismo. Nesse cenário, a cláusula de interesse nacional, prevista na legislação brasileira, permite suspender um direito antidumping, o que viabiliza o equilíbrio entre as políticas de defesa da concorrência e defesa comercial. Com isso, o consumidor brasileiro paga preços menores pelos produtos. O trabalho foi realizado pela coordenadora-geral de análise de mercados da Seae, Andréa Pereira Macera.

Com base nessa constatação, o Ministério da Fazenda quer ter uma atuação mais forte para reduzir o protecionismo nos processos que estabelecem tarifas extras sobre importações. As medidas antidumping servem para proteger produtores locais, mas, muitas vezes, fazem com que a concorrência seja reduzida e os preços sejam aumentados de maneira exagerada, o que prejudica os consumidores. "O objetivo é criar a discussão interna no governo para que a cláusula de interesse nacional seja analisada com mais rigor. Além disso, defendemos outros aperfeiçoamentos na legislação", explica o secretário de Acompanhamento Econômico, Marcelo Saintive.

A postura da Fazenda deve aumentar a temperatura na relação com o Ministério do Desenvolvimento, que tem a responsabilidade de investigar os pedidos dos produtores. Hoje existem 50 medidas antidumping ou salvaguardas em vigor e mais 24 pedidos estão sendo investigados. A Seae, contudo, não tem uma avaliação de quantas medidas antidumping estariam prejudicando a concorrência ou o consumidor.

O primeiro caso que teve uma atuação mais intensa da Seae foi o que analisou o pedido de prorrogação das medidas que protegem os fabricantes brasileiros de cimento portland. Naquela oportunidade, foi demonstrado que o interesse nacional estava acima do interesse do fabricante de cimento e, portanto, a prorrogação da proteção contra importações deveria ser negada. Mas a posição da Fazenda foi rejeitada pelos ministros que integram a Câmara de Comércio Exterior (Camex).

A equipe de economistas chefiada por Saintive quer, cada vez mais, confrontar os impactos dos processos antidumping com as eficiências obtidas na preservação da defesa da concorrência. Nesses casos, um fabricante nacional pede que seja aplicada pelo governo uma tarifa que inviabiliza a entrada de um produto estrangeiro. As normas da Organização Mundial do Comércio (OMC) e a legislação brasileira determinam que um direito antidumping deve ser reconhecido quando o preço de uma mercadoria importada é inferior ao praticado no país de origem. Mas também deve ser provada a relação entre essa conduta desleal e o prejuízo à indústria local.

Saintive e Andréa explicaram que a cláusula de interesse nacional permite suspender um direito antidumping quando o governo julga que os interesses gerais da sociedade (defesa da concorrência e preços ao consumidor) devem prevalecer sobre o interesse individual do produtor local. É o que prevê a norma do parágrafo 3º do artigo 64 do decreto 1.602, de 1995.

O estudo da Seae mostra que, no Brasil, ainda é rara a suspensão de direito antidumping por interesse nacional. O primeiro desses casos ocorreu em janeiro de 2004, no processo dos pneus de bicicleta fabricados na Índia e na China. O segundo foi em dezembro do mesmo ano, para "ferro cromo alto carbono" importado de três países: África do Sul, Cazaquistão e Rússia. O terceiro foi o do cimento portland.

"O Ministério do Desenvolvimento resiste a discutir a aplicação da cláusula de interesse nacional no nível técnico", diz Andréa. No governo, há um grupo técnico de defesa comercial onde se discute o parecer do Departamento de Defesa Comercial (Decom). Mas a coordenadora da Seae revela que, infelizmente, não se discutem as condições gerais de defesa da concorrência. O Valor procurou o Ministério do Desenvolvimento, mas a assessoria informou que não havia interesse em comentar o assunto.