Título: Lei pode regularizar 12 milhões de moradias
Autor: Izaguirre, Mônica
Fonte: Valor Econômico, 27/02/2007, Brasil, p. A8

A reforma da legislação sobre parcelamento do solo urbano, cuja discussão acaba de ser retomada pela Câmara dos Deputados, vai permitir às prefeituras e governos estaduais promover uma ampla regularização fundiária no país. A expectativa do governo federal é que 12 milhões de domicílios sejam regularizados, trazendo para a economia formal cerca de R$ 120 bilhões em ativos imobiliários.

Raquel Rolnik, secretária de Programas Urbanos do Ministério das Cidades, explica que o Brasil ainda não tem um marco regulatório que possibilite legalizar ocupações irregulares, nem mesmo quando de interesse público. "O problema é que as leis existentes não dialogam umas com as outras." Se forem observados, ao mesmo tempo, o Código Civil, a atual lei de parcelamento de solo, a lei de registros públicos e a legislação ambiental, "não se consegue regularizar nunca", afirma Raquel. "Então é preciso criar uma condição especial para a regularização."

É justamente a isso que se dedica boa parte do projeto de lei 20/2007, do deputado Fernando Chucre (PSDB-SP), cópia fiel do texto deixado pelo ex-deputado Barbosa Neto (PSB-GO), ao relatar, em comissão especial, na legislatura passada, o projeto 3.057/2000, apresentado originalmente pelo também ex-deputado Bispo Wanderval (PL-SP). Como o autor original não voltou à Câmara, o substitutivo do 3.057, arquivado por falta de votação, não podia ser desarquivado. Daí a decisão de Chucre de encampar a proposta.

Para facilitar a regularização de favelas e outras áreas de interesse social, o projeto flexibiliza o tamanho mínimo de lote. Pela atual legislação, não pode haver lote urbano inferior a 150 m². Se o projeto passar, dependendo do caso, esse limite pode cair para 100 m², se assim for decidido pelo município. Uma vez aprovada a nova lei federal, caberá a cada município aprovar lei local estabelecendo critérios para regularização de áreas localizadas em seus territórios.

Ocupações que não forem consideradas de interesse social também poderão ser regularizadas. A diferença é que regularizações de interesse específico implicarão custos para os interessados, já que o poder público será obrigado a exigir alguma compensação. Em Brasília, por exemplo, há muitos condomínios irregulares de classe média, parte por ter parcelado terra privada sem autorização e parte por ocupar terra pública.

Os títulos de propriedade que resultarem dos processos de regularização poderão ser comercializados. Em função disso, a expectativa é de que haja aquecimento do mercado de compra e venda de imóveis populares. Raquel reconhece que proibir a venda dos imóveis regularizados só geraria novas situações irregulares, já que não se conseguiria impedir a comercialização informal.

A secretária do Ministério das Cidades destaca que a regularização "representará impacto econômico tremendo". Ao trazer esses ativos para a formalidade, os donos poderão utilizá-los como garantia para tomar empréstimos, inclusive para viabilizar pequenos negócios, diz Raquel.

O Ministério das Cidades defende alterações pontuais no projeto de Chucre. Uma delas é tornar gratuito o primeiro registro dos imóveis que forem regularizados com base na nova lei, em caso de interesse social. O projeto prevê só desconto. Chucre não é contra e defende que o parlamentar responsável pela relatoria do projeto, ainda não nomeado, faça a alteração pedida pelo ministério. Raquel lembra que o projeto do deputado Zezéu Ribeiro (PT-BA), anexado ao de Chucre, já prevê a gratuidade.

De acordo com Raquel, o deputado petista elaborou seu projeto encampando também outras preocupações do governo, como a a questão dos loteamentos com controle de acesso, proibidos por ambos os projetos. A diferença é que o de Chucre dá prazo de cinco anos para a transição, algo que o Ministério das Cidades não aceita. O governo entende que, uma vez aprovada a lei, não podem mais surgir loteamentos fechados. Por isso mesmo, os dois projetos criam uma nova modalidade, a dos condomínios urbanísticos, em que as ruas internas são área comum, mas privada.

Mesmo que o projeto de Fernando Chucre tenha ganhado prioridade, como a negociação avançou muito na legislatura passada, Raquel acredita que o assunto demandará menos tempo para se chegar a um acordo definitivo entre todos os setores envolvidos.

Ela ressalta que, além de proporcionar um amplo processo de regularização fundiária urbana, os projetos estimulam a oferta de lotes para a baixa renda de duas formas. Um delas é fixando regras claras para a relação de consumo entre adquirentes e empresas produtoras de lotes urbanizados. A outra é desburocratizando o processo de aprovação dos projetos de novos empreendimentos pelo poder público, integrando as licenças necessárias. Hoje, o empreendedor precisa, além da licença urbanística, da licença ambiental. Como são dadas por orgãos distintos, é comum uma sair muito depois da outra ou nem sair.