Título: Sem PPPs não há crescimento econômico
Autor: Pavan, Renato
Fonte: Valor Econômico, 27/02/2007, Opinião, p. A12

Muito se fala sobre a necessidade de investimento em obras de infra-estrutura e da falta de recursos do Estado brasileiro. É um panorama que emperra o crescimento da economia e cuja saída mais factível aponta para as Parcerias Público-Privadas (PPP). Ao explicitar as obras que o governo pretende implantar, o próprio PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), anunciado recentemente, é uma tentativa de buscar investimentos privados. Desde a entrada em vigor em dezembro de 2004 da Lei 11.079/04, que instituiu as PPPs no País, o ritmo de projetos está muito aquém das nossas necessidades. E essa é uma das causas do crescimento pífio que a economia vem apresentando nos últimos anos.

Lamentavelmente até agora há somente cinco projetos de PPPs em andamento: a linha 4 do Metrô de São Paulo; o sistema de saneamento básico do município paulista de Rio Claro; a ampliação da Estação de Tratamento de Água e Esgoto de Taiaçupeba, da Sabesp; o emissário submarino de Salvador e a ampliação da rodovia MG-050.

Desses, apenas a linha 4 do Metrô já está com o contrato assinado (foi em 29 de novembro do ano passado). A assinatura da PPP de Rio Claro, a primeira parceria municipal de saneamento básico, está prevista para 15 de fevereiro. As licitações dos outros três projetos ainda estão longe de um desfecho.

Somados, esses projetos totalizam investimentos de R$ 1,5 bilhão por parte da iniciativa privada. Somente a ampliação do Metrô paulista é uma PPP com concessão patrocinada - em que o poder público coloca recursos. Todas as outras, chamadas administrativas, são financiadas integralmente pela iniciativa privada. No entanto, quando falamos em obras de infra-estrutura, são poucos os projetos que podem ser viabilizados sem a ajuda do Estado. Sob esse aspecto há um dado preocupante: o governo federal, que pretende ser o principal investidor em obras de infra-estrutura, ainda não abriu nenhuma licitação para PPP e nem definiu claramente no PAC quais investimentos pretende realizar em parceria com a iniciativa privada.

Para que essas parcerias de fato deslanchem, como vêm pregando sistematicamente governantes de diferentes partidos, entre eles o próprio presidente Lula, é importante que o governo amplie a discussão e coloque as cartas na mesa. Ou seja, defina os projetos prioritários de PPP, avance com as questões burocráticas e sinalize como se darão os investimentos. Sem isso, nada acontece. Um exemplo é o Ferroanel Norte, que deve ligar Itaquaquecetuba à região de Jundiaí e contornar a cidade de São Paulo. Para que o projeto dessa importante obra ferroviária seja viável, o governo federal tem que investir um terço dos R$ 900 milhões referentes ao custo da obra. Mas o governo federal não dá o aval. Vários outros importantes projetos poderiam ser tirados do papel, mas a hesitação do governo federal em compartilhar os riscos e bancar parte da obra esbarra o avanço. Isso é o que acontece também com as concessões rodoviárias.

Outra questão que atrapalha o avanço das PPPs é que, de acordo com a legislação brasileira, a modelagem só pode ser feita por decisão do poder público. Isso impede que a iniciativa privada proponha projetos ao governo. Há também um sério entrave político: o calendário eleitoral brasileiro não é compatível com projetos de longo prazo.

-------------------------------------------------------------------------------- O governo federal, que pretende ser o principal investidor em obras de infra-estrutura, ainda não abriu licitações para PPPs --------------------------------------------------------------------------------

Uma área que se recente da falta de recursos é o saneamento básico. Alguns números: cerca de 15% da população brasileira ainda não possui serviço de água tratada, apenas 50% tem coleta de esgoto e só dois em cada dez brasileiros têm o privilégio do esgoto tratado. Para a universalização dos serviços, são necessários investimentos de R$ 10 bilhões anuais durante 20 anos. E o déficit é monumental: em 2006 foram investidos apenas R$ 3,6 bilhões. O PAC, por exemplo, destinou para essa área R$ 3 bilhões ao ano de investimentos com recursos do Orçamento Geral da União e R$ 5 bilhões por ano a título de financiamento. No entanto, é sabido que nem Estados nem municípios dispõem dos recursos da contrapartida e muito menos do limite de endividamento exigido.

A PPP é uma alternativa viável para alavancar grande parte dos recursos que faltam para o saneamento. No entanto, as licitações devem obrigatoriamente ser feitas pelo poder concedente. E, nos casos municipais, também devidamente autorizados pelo Poder Legislativo. Quem, de fato e de direito, é o poder concedente nos municípios situados em regiões metropolitanas é uma pendência que ainda será decidida pelo Supremo Tribunal Federal. Mas a tendência é que a decisão seja favorável aos municípios. Isso obrigará as empresas estaduais a se tornarem prestadoras de serviço. As cidades, por outro lado, não têm recursos e nem condições de desenvolver sozinhas a modelagem de uma PPP - muito complexa e burocrática. E, para piorar, a nova lei do Saneamento Básico (lei 11.445/07) aumentou a burocracia.

A desinformação também é algo preocupante. O acidente na construção da infra-estrutura da linha 4 do metrô é prova disso. Mesmo tendo sido feita com outra legislação - o que pressupõe execução e fiscalização diferente - muitos associaram equivocadamente a tragédia às PPPs. Essa tentativa de macular a imagem das parcerias só leva à estagnação da economia. O Brasil necessita urgentemente de investimentos. Tanto públicos quanto privados.

Existe também a questão financeira. Os Fundos Garantidores dos investimentos privados são compostos por ativos com pouca liquidez, o que gera insegurança entre os investidores.

Como se vê, os empecilhos são muitos, mas as necessidades são maiores ainda. O exemplo positivo vem da PPP de Rio Claro, que levou, entre a formatação e o contrato, pouco mais de um ano. É um exemplo de que as dificuldades podem ser vencidas com criatividade. Mas só isso não basta. A legislação pode e deve ser aperfeiçoada. E os governantes, por sua vez, devem sair do discurso.

Renato Pavan é engenheiro civil, ex-presidente da Fepasa, especialista em logística e atual diretor da Blue Water Management (BWM), consultoria especializada em Parcerias Público-Privadas (PPP).