Título: Uma segunda geração de reformas
Autor: Thomas F. McLarty III
Fonte: Valor Econômico, 13/01/2005, Opinião, p. A9

Quando o ex-líder sindical Luiz Inácio Lula da Silva ganhou as eleições presidenciais brasileiras, há dois anos, os mercados financeiros estremeceram e os spreads de títulos aumentaram. Com mais de US$ 31 bilhões de investimento externo direto americano no Brasil, uma Wall Street preocupada se perguntava o que um esquerdista na Presidência significaria para os rumos econômicos do Brasil. Hoje, os mercados e o mundo já não se fazem essa pergunta. Neste outono, o Moody´s e o Standard & Poor´s melhoraram a classificação de risco do Brasil. As exportações brasileiras continuam a se acelerar - do tradicional café aos modernos telefones celulares -, levando a um saldo positivo recorde na balança comercial no ano passado. O investimento direto externo está crescendo. A maioria dos analistas reviu suas estimativas de crescimento para cima; o crescimento do PIB do Brasil pode chegar a 5% este ano. E até mesmo o desemprego, um dos mais persistentes desafios de Lula, está caindo. Tal ímpeto impressionante deveria ser motivo de comemoração, porém mais importante que isso, de inovação. É chegada a hora de implementar uma segunda geração de reformas, que irão catalisar amplo desenvolvimento econômico e crescimento no longo prazo. Em parte, isso significa seguir uma agenda social inclusiva, que permita que todos os brasileiros compartilhem do progresso e prosperidade de seu país. Mas, juntamente com uma rede de segurança social forte, o Brasil precisa de reformas para incentivar um sucesso sustentável. O mais importante é reduzir o abominável custo Brasil. Grande parte dessa carga pode ser atribuída ao redundante e oneroso sistema tributário brasileiro, que afeta investidores e empresários em vários pontos da cadeia de negócios. Por exemplo, quando todos os impostos são somados, as montadoras no Brasil percebem que os custos de produção subiram 34% - mais de cinco vezes o valor dos impostos equivalentes nos EUA. A tarifa de 60% que o Brasil cobra sobre mercadorias importadas entregues por empresas de correio expresso, como a UPS - tudo, desde livros encomendados à Amazon a peças de tratores da John Deere - é tão alta, que há casos de destinatários que recusam a entrega. Segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário, a carga fiscal do Brasil durante o primeiro semestre de 2004 foi igual a 38,1% do PIB - 1,2 ponto percentual acima do mesmo período do ano passado. A complexidade do sistema tributário brasileiro, por si só, exige que as empresas gastem grandes somas com advogados apenas para compreendê-lo. Porém entender a incrível burocracia, apesar de essencial, não será suficiente. A respeitada Confederação Nacional da Indústria acaba de lançar uma campanha na mídia nacional, cujo atraente slogan, "Menos imposto, mais Brasil", enfatiza que, além de cortar impostos, uma verdadeira reforma também deve trazer mais jogadores à mesa. Um total de 40% da economia brasileira é informal - sem registro contábil e fora da estrutura fiscal normal. Em um círculo vicioso, os altos e complicados impostos brasileiros empurram empresas e trabalhadores para a informalidade - e aqueles que permanecem na formalidade e pagam impostos devem arcar com os 40% que estão fora dela. A menos que a participação no setor formal cresça, o Brasil terá dificuldades para racionalizar e reduzir sua carga tributária. Um modo de atrair empresas para o setor formal é ressuscitar a anistia fiscal federal temporária para pessoas físicas e jurídicas que devem dinheiro ao governo.

Um modo de atrair empresas para o setor formal é ressuscitar a anistia fiscal para pessoas físicas e jurídicas que devem ao governo

Esse programa de recuperação fiscal, conhecido como Refis, foi estabelecido pela primeira vez pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, em 2000. Ao permitir que os devedores de impostos refinanciassem suas obrigações com o setor público, o Refis tinha a intenção de trazer mais integrantes para a economia formal, e, em última instância, aumentar a coleta de impostos e pagamentos à seguridade social devidos ao governo. Apesar de ser verdade que um pequeno número de empresas e pessoas desonestas podem se aproveitar do programa, esses custos são compensados pelos ganhos de se estimular um número maior de empresas, que contribuem para o dinamismo econômico do Brasil, a retificar sua situação fiscal. Cidades e Estados brasileiros - inclusive os de maior importância econômica, como São Paulo e Minas Gerais -- continuam a usar programas semelhantes ao Refis, com efeitos satisfatórios. Tais medidas, no âmbito federal, quase que certamente irão elevar a receita fiscal além de seu patamar atual, à medida que mais empresas e pessoas contribuam, através de maiores investimentos e maior participação na economia formal. A reforma tributária também atenderá às metas sociais do Brasil, ao permitir que um número maior de trabalhadores receba benefícios de seguridade social ao se aposentarem, e ao combinar um sistema de tributação mais racional com melhorias de infra-estrutura, de modo que os portos antiquados e processos alfandegários ineficientes não impeçam ganhos comerciais e melhorem ainda mais a posição competitiva do Brasil no cenário mundial. O presidente Lula fez um progresso inicial em direção à reforma tributária no final do ano passado. A lei de 2003, apesar de limitada em escopo, representa um importante primeiro passo. É chegada a hora de os brasileiros invocarem seu otimismo e vitalidade inerentes, e realizarem as reformas abrangentes que poderão colocar o país em um patamar mais elevado. Os Estados Unidos também têm interesse nisso. Várias empresas americanas reconhecem o tremendo potencial do Brasil; nosso país já representa mais de um terço do investimento externo total no Brasil. Quanto mais o Brasil fizer para melhorar seu ambiente de investimento, mais oportunidades os dois países terão de crescimento e prosperidade compartilhados. Se o governo Lula e seus concidadãos conseguirem se unir em torno de uma programa de mudança ambicioso, poderão substituir o "custo Brasil" pela "vantagem Brasil".