Título: Belluzzo vê repetição de erros no Banco Central
Autor: Sergio Lamucci
Fonte: Valor Econômico, 13/01/2005, Especial, p. A10

Valor: Em 2004, o crescimento ficou em algo como 5% e o país registrou superávit em conta corrente. A política econômica está certa? Luiz Gonzaga Belluzzo: Houve um momento de tensão em 2002, por conta das expectativas em relação ao que ocorreria depois das eleições, e também devido à forte contração da liquidez internacional. Depois, houve uma recuperação geral, uma expansão da liquidez que beneficiou principalmente os mercados cambiais. Isso facilitou a tarefa do governo brasileiro de empreender a política de metas, com uma ajuda importante da valorização cambial. Ao mesmo tempo, de 2003 em diante ficou claro que a economia global vivia um ciclo de auge sincronizado, com crescimento forte nos EUA e na China, recuperação no Japão e desempenho melhor da Europa. Isso favoreceu a combinação de crescimento, superávit em conta corrente e inflação em queda. Valor: Então boa parte do desempenho de 2004 se deveu ao cenário externo favorável? Belluzzo: Eu não gostaria de dizer que a política econômica foi irrelevante e o cenário externo é que determinou tudo. Acho que a política econômica teve a sua tarefa facilitada pelo cenário externo. Houve dois momentos. O primeiro em que ela prudentemente surfou em cima dessa onda favorável, e o segundo em que, imprudentemente, está deixando que preços fundamentais como câmbio e juros favoreçam uma situação provavelmente menos brilhante em 2005. Valor: O real está apreciado? Belluzzo: Acho que, se você medir em relação ao dólar, talvez não pareça tanto, mas em relação aos nossos competidores, sim, principalmente os asiáticos. E, mais do que isso, nós estamos ficando vulneráveis a um aumento de importações. Se os preços externos se tornarem muito competitivos, as empresas brasileiras vão voltar a comprar no exterior. O que me preocupa mais é o fato de que essa tolerância com a valorização dá um sinal de longo prazo muito ruim para os investimentos que se dirigem para os setores ligados ao comércio exterior, tanto os que são voltados para exportação quanto os que substituem importações. Valor: Quais os outros inconvenientes da valorização do câmbio? Belluzzo: Se o cenário externo reverter - e o quadro internacional não é desprovido de incertezas, devido aos déficits dos EUA e à trajetória do dólar -, pode haver um problema. Uma mudança no quadro internacional tenderia a levar a uma desvalorização mais rápida do real, e isso pode afetar negativamente o crescimento da economia. Alguém pode perguntar: "Mas você não quer um câmbio mais desvalorizado?" Sim, mas a questão é que, como em 2002 houve aquele choque, seria melhor ter segurado o câmbio lá em cima, comprando reservas e baixando a taxa de juros. Se há uma fuga de capitais, o câmbio desvaloriza com força e há o risco de um choque inflacionário. O regime de flutuação cambial comporta vários matizes. É possível, dentro de certos limites, defender a taxa de câmbio real. O BC devia baixar os juros com uma certa cautela e deixar o câmbio deslizar, para evitar que haja um choque lá na frente. Também é necessário comprar mais reservas, para fazer o câmbio flutuante funcionar a seu favor, e não contra. Valor: A meta de 5,1% para 2005 não é muito ambiciosa? Belluzzo: Nós nunca tivemos nos últimos anos uma inflação tão próxima da inflação dos EUA como hoje, comparando com os índices de preços ao consumidor americano, que está acima de 3%. A política de combate à inflação foi bem-sucedida. O ideal seria convergir para esses níveis no longo prazo, mas é difícil para uma economia como a nossa. A política de metas é uma política de coordenação de expectativas. O importante não é exatamente o valor da meta, mas o compromisso de o BC conduzir a inflação numa determinada trajetória, que pode ser mais rápida ou mais lenta. Mais que ambiciosa, acho a meta equivocada. Devido à forma como o BC tentou administrar, houve perda de emprego e de renda desnecessariamente. Valor: A vulnerabilidade externa acabou? Belluzzo: O problema é que a vulnerabilidade está na conta de capitais e não na conta comercial. Essa é a novidade. Você tem que administrar a conta de capital para que ela não contamine a conta de comércio. Quando você recebe um choque externo, há um período de ajustamento em que há fuga de capitais e um choque inflacionário. As reservas cambiais teriam que estar mais altas, para defender um choque na conta de capitais. Por que os chineses acumularam reservas nessa magnitude? Porque eles perceberam que neste mundo você não pode estar desapetrechado de reservas, mesmo com os inconvenientes que há nisso. Valor: É necessário reduzir o ritmo de crescimento ou o país pode crescer mais de 4% ao ano? Belluzzo: O país poderia crescer mais do que isso. Acho que alguma tensão inflacionária haveria, mas nada parecido com os anos 80. Esse trauma da hiperinflação produz esse tipo de receio. Nós temos uma situação fiscal muito favorável, embora tenha sido feito com uma estrutura tributária ruim. Isso é propício para que o país faça tentativas de estimular o investimento e reduzir os juros. Eu não estou propondo a redução do superávit primário, por conta de características da economia brasileira e da importância que tem na visão dos agentes a diminuição da relação dívida/PIB. Há uma seqüência de medidas a serem tomadas. O primeiro ponto é resolver o nó da questão cambial e monetária. Valor: O sr. está propondo mudança no modelo? Belluzzo: Nós estamos pedindo uma coisa muito mais modesta. Nós queremos simplesmente que se evitem os erros passados. O ideal seria que a política fiscal fosse mais flexível, mas não estou pedindo redução do superávit primário neste momento. O pedido de mudança é na política cambial e na política monetária. Eu sei que há muitas restrições e nós não queremos solavancos. Mas, se você segue a maré quando há um surto liquidez, acaba batendo nas pedras.