Título: Controle da inflação vai afetar menos o PIB
Autor: Ribeiro, Alex
Fonte: Valor Econômico, 02/01/2007, Caderno Especial Posse, p. A5

A boa notícia dos quatro primeiros anos do governo Lula é que, fruto de uma política monetária conservadora, os modelos do Banco Central apontam que, daqui por diante, a economia terá que pagar um preço menor em termos de crescimento para manter a inflação nas metas. A má notícia é que, na abertura de um novo mandato, o BC inclina-se a olhar com um pouco mais de desconfiança o que dizem seus próprios modelos.

Se a política monetária fosse colocada no piloto automático, pautando-se apenas pelo que dizem os modelos econômicos, estaríamos atravessando um céu de brigadeiro. A projeção central do BC é uma inflação de 3,9% em 2007, abaixo do centro da meta, fixado em 4,5%. Na hipótese de o BC cortar os juros dos atuais 13,25% para 12% ao ano em 2007, como prevê o mercado, ainda assim a inflação cairia abaixo do objetivo, ficando em 4,3%.

Todos esses números positivos não impedem que, para a primeira reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do BC de 2007, as apostas dominantes sejam uma desaceleração no ritmo de corte dos juros básicos, de 0,5 para 0,25 ponto percentual. Três membros do Copom alertam que, após os juros caírem 6,5 pontos desde setembro de 2005, a economia entra em área de maior incerteza - que não pode ser medida com segurança pelos modelos atuais.

Os parâmetros usados nos modelos costumam mudar com alguma freqüência. Um estudo do atual diretor de Normas do BC, Alexandre Tombini, mostra que, durante a crise das eleições presidenciais de 2002, a inflação se tornou mais persistente. Para atingir uma mesma inflação, foi necessária uma maior dose de juros. Nos anos seguintes, aponta o estudo, a política monetária reconquistou a credibilidade, e o sacrifício em termos de crescimento voltou a cair.

O que aconteceu? Uma das explicações é que o Brasil vive um grande choque de oferta positivo. A China puxa a demanda e os preços de bens exportados pelo Brasil, e os importados ficam relativamente mais baratos. O efeito é baixar a inflação sem, necessariamente, a economia ir para a lona.

Essa tese é defendida pelo economista Darwin Dib, do Unibanco. "A análise dos dados de 1999 para cá mostram que o câmbio tem um papel fundamental para determinar a inflação no Brasil", afirma Dib. "Nos últimos anos, fatores estruturais levaram à apreciação do câmbio, e à queda da inflação." Se o câmbio deu sua contribuição, o BC precisou deprimir menos o produto para controlar a inflação.

Outra explicação é que hoje o BC tem mais credibilidade para convencer os agentes econômicos de que a política monetária é para valer. Diante da convicção de que o BC vai deprimir a economia ao menor sinal de aceleração dos preços, os agentes passam a agir com a certeza de que a inflação ficará sob controle. Se todo mundo acredita em inflação baixa, a profecia se auto-realiza, e o BC não precisa mais deprimir a economia. O resultado é inflação sob controle com crescimento relativamente alto.

As expectativas dos analistas são um bom termômetro da credibilidade do BC. Nos seis primeiros anos do regime de metas de inflação, o mercado projetava sistematicamente inflação acima da meta para o ano seguinte. Em fins de 2005, pela primeira vez os analistas projetaram em cima da meta (4,5%) para 2006. E 2007 só começou e os analistas já prevêem que ela ficará abaixo da meta.

Quando essa história é contada da frente para trás, parece que foi uma transformação fácil. Mas, ao longo de quatro anos, o BC fez uma política monetária austera em um governo claramente hostil a fórmulas ortodoxas.

Símbolo da ala mais conservadora do Copom, o diretor de Política Econômica do BC, Afonso Bevilaqua, falou na semana passada sobre os boatos - partidos do próprio governo - de que ele deixaria o cargo no novo mandato de Lula. "A pergunta não é nova", disse. "Respondi à mesma pergunta nos 13 trimestres anteriores."

Em fevereiro de 2003, início do governo Lula, o BC se viu obrigado a subir em um ponto percentual a taxa de juros, então já em 25,5% ao ano, apenas para reforçar sua credibilidade. Em março, impôs um viés de alta e, nos dois meses seguintes, manteve os juros inalterados, apesar da pressão política. O presidente do BC, Henrique Meirelles, disse ao Valor que esse foi o período mais crítico de seu mandato, no qual o BC formou um bom pedaço de sua credibilidade.

O corte na taxa básica começou em junho de 2003, num ritmo rápido, e a economia apresentou um superaquecimento no ano seguinte. Em seis meses, os juros caíram 10 pontos percentuais, para 16,5% ao ano em dezembro de 2003. Em meados de 2004, o BC assustava o mercado, revelando sua preocupação com o ritmo da economia - naquele ano, o país cresceu 4,9%, a maior taxa no governo Lula.

O ziguezague arranhou um pouco a credibilidade do BC. De um lado, críticas de que o corte de juros foi rápido demais; de outro, que estaria preocupado em demasia com o nível de utilização da capacidade da economia. Entre setembro de 2004 e junho de 2005, o BC elevou os juros de 16% a 19,75% ao ano. A economia cresceu pífios 2,3% em 2005. O corte dos juros começou em setembro de 2005, e ocorreu lentamente. Para muitos, isso afetou também o PIB de 2006.

De qualquer forma, o BC conseguiu reconquistar a credibilidade da política monetária. Sua preocupação agora é não voltar a perdê-la. "O BC navega em mares nunca antes navegados, com as taxas de juros mais baixas da história", afirma Bráulio Borges, da LCA Consultores. "Os modelos econômicos atuais nunca lidaram com uma situação como essa, por isso o BC prefere andar com maior cautela."