Título: Renovação das fontes de receita será a prioridade da agenda do Congresso
Autor: Ulhôa, Raquel e Jayme, Thiago Vitale
Fonte: Valor Econômico, 02/01/2007, Caderno Especial, p. A7

Um dos principais desafios do presidente Luiz Inácio Lula da Silva no primeiro ano do novo mandato será garantir a renovação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) e da Desvinculação de Receitas da União (DRU), ambas com prazo de vigência até dezembro de 2007. A tarefa vai exigir de Lula muita negociação com a oposição e a busca de apoio político dos governadores, que têm sua própria pauta de reivindicações.

A prorrogação da CPMF - o chamado "imposto do cheque" - e da DRU - mecanismo que autoriza o governo a gastar livremente 20% da receita orçamentária vinculada a setores específicos - precisa ser feita por meio de emendas constitucionais, aprovadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal. São necessárias duas votações em cada casa e os votos favoráveis de três quintos dos deputados (308) e dos senadores (48).

A dificuldade do apoio político é reconhecida pelos próprios governistas. "O governo vai precisar ser muito competente no campo político para não viver o infortúnio de uma derrota em relação à aprovação da DRU e da CPMF", previu o senador Tião Viana (PT-AC). Ele constata que, no caso do Senado, o governo contará com apoio tranqüilo de apenas cerca de 37 dos 81 parlamentares a partir de 2007. "Vai ser uma corda esticada o tempo todo na relação entre governo e oposição", diz Viana.

O deputado Henrique Fontana (PT-RS) e a senadora Ideli Salvatti (PT-SC), líderes do PT na Câmara e no Senado, admitem que o governo poderá encontrar dificuldades não apenas na votação da CPMF e da DRU, mas nas reformas necessárias ao país. Fontana defende a realização de acordos de procedimentos com a oposição para evitar o "grande acirramento" dos últimos anos. "Aqui nunca nada é fácil e não será diferente na tentativa de prorrogação da CPMF e da DRU", disse Ideli.

O governador reeleito de Minas Gerais, Aécio Neves, do PSDB, avalia que o governo terá "imensas dificuldades" de aprovar as medidas de seu interesse no Congresso se não negociar com os governadores uma pauta de reivindicações. Dessa pauta, consta a unificação da legislação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias de Serviços (ICMS), a criação de um fundo de desenvolvimento para as regiões menos favorecidas, o aumento da participação dos municípios em seu fundo e transferência de recursos da Cide para os Estados. "Não quero novamente cair na armadilha de atender aos interesses da União e nossa agenda ficar dispersa. É importante termos nessa nova repactuação federativa a participação dos municípios. Se o governo federal compreender que isso é bom para o país, facilitará até a aprovação de medidas de interesse do governo federal, como a CPMF e a DRU", afirmou.

No caso da CPMF, o governo ainda estuda qual será a proposta para prorrogá-la. Enquanto isso, a oposição largou na frente. A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou em dezembro uma proposta de emenda constitucional (PEC) do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), presidente do seu partido, que reduz gradativamente a alíquota da contribuição de 0,38% para 0,08% - percentual destinado ao Fundo de Combate à Pobreza - em quatro anos.

A contribuição se tornaria permanente depois desse prazo. O objetivo maior seria manter a contribuição como mecanismo de combate à sonegação. O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, chegou a defender a redução da alíquota, mas em dez anos - e não quatro, como quer Tasso. Mas o Ministério da Fazenda não aceita nem a redução da alíquota da CPMF. A divergência do governo é um complicador a mais.

A base aliada do Senado votou a favor da emenda de Tasso na CCJ, confiando nas manifestações de Paulo Bernardo a favor da redução da alíquota para 0,08%. A idéia era deixar a discussão do prazo para depois. "Queremos um alongamento desse prazo. A proposta do senador Tasso significa uma renúncia de mais de R$ 30 bilhões do governo em 2008. Não sei se o país agüenta isso", afirma o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR).

Uma proposta intermediária foi apresentada pelo senador Valdir Raupp (PMDB-RO), que foi relator da proposta orçamentária da União para 2007 e é cotado para ser o líder da bancada pemedebista no Senado. Por sua emenda constitucional, a alíquota da CPMF cairia de 0,38% para 0,08% em oito anos. "A PEC do PSDB representa uma renúncia muito brusca de mais de R$ 30 bilhões. Minha proposta tem chance de ser aceita pelo governo, por ser intermediária", defendeu Raupp.

Apresentada em novembro, sua proposta aguarda a designação de um relator. A proposta de emenda constitucional de Tasso saiu da CCJ e será submetida ao plenário do Senado, para depois ir à Câmara. O governo ainda deve encaminhar sua própria PEC. Segundo a assessoria de imprensa do Planejamento, a única coisa certa é que o governo vai propor a prorrogação. O resto (prazos, alíquotas etc) ainda está em estudo.

No caso da DRU, a intenção manifestada por Paulo Bernardo seria, além de renovar o mecanismo, ampliar o percentual de 20%. Fala-se em algo entre 25% e 30%. De acordo com o ministro, é difícil para o governo abrir mão do mecanismo da DRU, por se tratar de uma importante ferramenta de flexibilização do orçamento federal.

Na Câmara, o líder do PFL, Rodrigo Maia (RJ), afirma que o governo só conseguirá a renovação da CPMF e da DRU a partir de 2007 se fizer composição com o Congresso. "O governo não tem número para aprovar e haverá pressão por distribuição de verbas para estados e municípios", avalia.

O deputado José Carlos Aleluia (PFL-BA), líder da minoria, prevê que o governo terá muito trabalho para manter a CPMF. "Existe uma sensação hoje, no Congresso, de que o governo não economiza. E que há uma concentração muito grande de receita nas mãos da União", diz. "E em 2007 os governadores e os prefeitos vão fazer de tudo para ter sua parcela considerável da CPMF", completa o pefelista.

Para Aleluia, a CPMF será vítima de duras disputas. "Haverá pelo menos três vetores puxando a CPMF para lados distintos. De um lado, governadores e prefeitos. De outro, a oposição tentando aliviar os impostos para a população. E um terceiro vetor será o governo tentando mantê-la como está", diz Aleluia. O pefelista também vê pouca chance de aprovação de reformas, por falta de articulação do governo nesse sentido.

O líder do PTB, José Múcio Monteiro (PE), partilha do pessimismo. "Só aprovaremos reformas que tenham validade para as próximas gerações. Se formos debater uma reforma política que vigore já na próxima eleição, não teremos clima e disposição para votar. Se a reforma tributária já valer para o ano seguinte da aprovação, os governadores não deixam votar. Uma reforma da Previdência que mexa com os atuais servidores também seria o caos", analisa o petebista.

Já o líder do PSOL, Chico Alencar (RJ), também vê dificuldade na aprovação de reformas. "Acho difícil. O perfil do parlamento tem sido muito conservador, de uma inércia muito grande", diz. O deputado reivindica que a reforma política seja a prioridade do segundo mandato de Lula. "Por tudo o que aconteceu, acho que deveríamos investir nessa reforma com seriedade."