Título: Falta de acordo na Câmara pode influir no Senado
Autor: Ulhôa, Raquel e Costa, Raymundo
Fonte: Valor Econômico, 02/01/2007, Caderno Especial Posse, p. A7

Com a reeleição de Renan Calheiros no Senado praticamente assegurada, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva enfrenta dificuldades na Câmara para articular a unidade da ampla coalizão governista, que poderia reunir cerca de 300 deputados. Lula ganha vença o atual presidente da Casa, Aldo Rebelo, seu aliado de primeira hora, vença o desafiante petista Arlindo Chinaglia, que é seu líder na Câmara, mas o acirramento da disputa, nos últimos dias, deve deixar seqüelas e colocar em xeque a decantada coalizão dos partidos.

A crise se agravou pela dificuldade do presidente em articular um candidato único da base aliada, a exemplo do que ocorreu em 2005, quando deixou que o PT saísse com dois candidatos, dividindo os aliados, o que permitiu a eleição do ex-deputado Severino Cavalcanti (PP-RJ). Severino acabou defenestrado por denúncia de corrupção e em seu lugar foi eleito um "candidato do acordo" - Aldo Rebelo - que juntou PMDB e PT, não sem muita resistência petista. Aldo chegou ao fim do ano ainda como o "candidato do acordo" e desde o início apontado como o favorito de Lula. A sinalização não bastou para pacificar a base.

Sem uma manifestação clara do presidente, o PT lançou Arlindo Chinaglia e partiu em busca de acordo com o PMDB, que tem a maior bancada. A pressão sobre os pemedebistas é forte, inclusive da parte de ministros petistas. Ontem, Aldo Rebelo reafirmou com firmeza sua candidatura e disse que vai levá-la "até a vitória". Citou quem o está apoiando: "Vamos reunir amplas forças partidárias e políticas. Temos apoio do PCdoB, do PSB, de setores do PP, do PMDB. A oposição também. Tem que ser uma candidatura da instituição. Conversei com a governadora Yeda Crusius (RS), Sérgio Cabral (RJ), Luiz Henrique (SC), de Pernambuco, do Ceará, do Tocantins. Jantei na semana passada com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e recebi as manifestações mais efusivas. Também tenho a simpatia dos governadores de São Paulo, de Minas Gerais e da Paraíba, todos do PSDB."

Embora os dois candidatos sejam governistas, o cenário não é bom para Lula. Divergências entre aliados dificultam os interesses do Planalto no Congresso. Além disso, a divisão da base aliada na Câmara - estimulada pela oposição - ameaça respingar na candidatura do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), à reeleição. Aliado de Lula, Renan é favorito, mas é desafiado para uma disputa em plenário pelo líder do PFL, José Agripino (RN). Aliados do pefelista comemoram o racha da base na Câmara. O raciocínio é que os setores governistas insatisfeitos com o processo eleitoral da Câmara renderão votos ao pefelista no Senado. Essa tese é contestada por alas da oposição. No PSDB e no PFL há céticos em relação às chances de vitória do líder. Avaliam que as traições ocorrerão dos dois lados. Os votos que Renan perder na base governistas poderão ser compensados com votos da oposição.

Nos últimos dias, a articulação dos candidatos da Câmara foi intensificada. A candidatura de Arlindo foi reforçada por uma carta do presidente do PT, Marco Aurélio Garcia, ao presidente do PMDB, deputado Michel Temer (SP), propondo um acordo: o PMDB apoiaria o líder do governo agora em troca do apoio do PT a um candidato pemedebista para o biênio seguinte. O acordo ainda não foi formalizado. O PMDB aguarda uma sinalização mais clara de Lula. A proposta pode até sair vitoriosa na Executiva Nacional pemedebista, mas o que não se duvida é que o PMDB irá para a eleição dividido. Segundo aliados de Chinaglia, a proposta ao PMDB teve aval de Lula. Outras fontes dizem que Lula não se posicionou, mas também não impediu que Marco Aurélio despachasse a correspondência.

Pelo menos um interlocutor freqüente de Lula o advertiu que o Planalto pode estar jogando Aldo nos braços da oposição. O PT busca carimbar de oposicionista a candidatura do presidente da Câmara, numa tentativa de afastar o presidente. O apoio mais ostensivo a Aldo, depois do PC do B, seu partido, é do PFL. Na quarta-feira, Aldo reuniu-se com o líder do PFL, Rodrigo Maia (RJ), o líder da Minoria, José Carlos Aleluia (PFL-BA) e com representantes do PTB, PSB, PMDB e PC do B. Decidiu levar a candidatura até uma eventual disputa em plenário com Chinaglia. Lula ainda acredita que pode sair com um candidato só. Aliados do comunista consideram o bom trânsito com a oposição uma vantagem. "Aldo foi eleito em uma guerra entre governo e oposição. Venceu e poderia nem abrir a porta para nós. Mas foi muito correto com a oposição", disse Maia. Para ele, é "muito difícil" que Aldo perca e eleição.

No Senado, Renan vê com preocupação o racha na Câmara. Pressionado pela bancada do PT no Senado, que o vê como aliado de Aldo, Renan divulgou nota na quinta-feira negando qualquer interferência na disputa daquela Casa. A candidatura de Renan é considerada favorita até mesmo entre os oposicionistas. Eles avaliam que, embora aliado de Lula, ele conduz o Senado sem subserviência, tem bom trânsito na oposição e cumpre acordos. Essa avaliação dificulta a estratégia de Agripino de se colocar como contraponto do Planalto, para garantir independência do Senado e equilíbrio entre os poderes.

No PSDB, há quem defenda, reservadamente, que Agripino abandone a disputa. Dizem que a decisão do PDT de apoiar Renan dificulta a consolidação de Agripino como candidato da oposição - e não apenas do PFL. O PDT no Senado tem um comportamento oposicionista e é parceiro do PFL e do PSDB em votações e articulações.

Sem dar mostras de desistência, Agripino viajou para Nova York e retorna dia 10, quando retoma o corpo-a-corpo. Ele diz contar com votos em todos os partidos - inclusive PMDB e PT. "Tenho grande chance de ganhar e ele, de perder", afirma Agripino. Para Renan, o cenário de disputa não é bom. Ele gostaria de ser candidato de consenso, mas enfrenta resistências dentro de uma ala pemedebista, que tenta quebrar a hegemonia do seu grupo político no partido.