Título: Serra assume com ataques ao Planalto
Autor: Felício, César e Agostine, Cristiane
Fonte: Valor Econômico, 02/01/2007, Caderno Especial Posse, p. A9

O novo governador de São Paulo, José Serra (PSDB), assumiu o comando do Estado delineando uma plataforma para a oposição tucana ao governo federal. Tanto ao ser formalmente empossado na Assembléia Legislativa quanto na solenidade de transmissão de cargo, Serra evitou falar sobre a própria administração e focalizou o cenário nacional. Nos dois discursos, que somaram trinta minutos, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi o personagem principal.

Ao receber o cargo do ex-governador Claudio Lembo, no Palácio dos Bandeirantes, Serra bateu na política econômica do presidente. "O poderoso Estado Nacional Desenvolvimentista do passado - produtor, regulador de toda a atividade econômica, patrono de todos os benefícios sociais - não tem mais lugar no presente, mas isto não significa que deva ser substituído pelo Estado da pasmaceira, avesso à produção, estagnacionista. A questão nacional e a questão do desenvolvimento continuam no presente", disse.

Segundo Serra, os baixos índices de crescimento da economia no país "não são colhidos da árvore da vida, da fatalidade, mas da fragilidade da política macroeconômica, hostil à produção e aos investimentos". O tucano procurou desfazer a imagem de que é possível conciliar uma política macroeconômica como a atual com avanços na área social, um dos pontos com melhor avaliação no governo petista.

"A falta de desenvolvimento pune os mais necessitados, torna-os clientela cativa do assistencialismo", afirmou Serra, recebendo aplausos intensos da platéia de cerca de duas mil pessoas que assistiram a cerimônia na sede do governo estadual.

O governador tucano, candidato derrotado por Lula à presidência em 2002 e pelo ex-governador paulista Geraldo Alckmin na disputa interna pela candidatura presidencial tucana em 2006, negou que o tom de seu discurso fosse apenas o prolongamento da disputa política entre PT e PSDB: disse que a condução econômica do governo federal prejudica o Estado.

"Porque insisto tanto na questão do crescimento, se as políticas macroeconômicas não são da responsabilidade do governo do Estado? Porque a estagnação nos tira postos de trabalho, arrecadação, escolas, saúde, segurança", disse. E sinalizou sobre suas intenções futuras: "Vou governar São Paulo voltado para o Brasil".

O ataque político a Lula foi feito no rápido discurso de Serra para os deputados, ao ser empossado formalmente. "Vivemos, no Brasil, um período de crise de valores. Não se trata de uma indisposição passageira ou de uma simples pane. Trata-se de uma crise mesmo, de verdade. Crise moral, que prospera em uma economia onde faltam empregos e sobra estagnação", afirmou.

Procurando estabelecer um contraste com o governo Lula, que ainda negocia politicamente a composição de seu ministério mesmo depois do início do segundo mandato, Serra realçou a composição técnica de seu secretariado e frisou: "Ser ético significa, entre outras coisas, evitar o loteamento de cargos. Não fizemos loteamento no primeiro escalão, não estamos fazendo nem faremos loteamento no segundo escalão", disse.

Serra procurou estabelecer uma linha divisória entre a máquina do Estado e o jogo partidário, ao propor que o Estado "seja controlado por ele próprio" e atacar o que chamou de " vorazes tentativas neopatrimonialistas de privatização do Estado". O governador procurou, contudo, demarcar distância do neoliberalismo.

"O livre mercado globalizado não oferece as respostas para todos os nossos problemas. O objetivo de materializar as condições de uma plena cidadania em cada país exige políticas nacionais, exige ativismo governamental na procura do desenvolvimento e da maior igualdade social. Não podemos prescindir disso", afirmou.

O novo governador procurou também teorizar sobre o papel de oposição que o PSDB deve assumir no segundo mandato de Lula. "A democracia supõe a existência de oposição. Uma oposição que, entendo, há de ser também propositiva. Em todas as esferas de poder, estão presentes as duas éticas, a da convicção e a da responsabilidade. O convicto que ignora os limites da realidade é irresponsável; o homem responsável que não luta por suas idéias vê afrouxar a convicção".

Na esfera administrativa, o governador sinalizou pouco em suas palavras. Deixou claro que não irá buscar uma renegociação da dívida do Estado que envolva mudança de marcos legais. "Serei um militante incansável da lei de responsabilidade fiscal, concebida e aprovada durante o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, até porque fui o autor do dispositivo constitucional que a possibilitou. Governo com déficit galopante é governo fraco", afirmou.

Serra reafirmou que procurará manter "as melhores relações institucionais possíveis" com Lula, sem diminuir o tom de confronto. " Como é evidente, cabe à oposição se opor. Não a tudo e a todos, mas ao que, a seu juízo, atente contra o espírito das leis, contra os fundamentos do Estado e contra o interesse público".