Título: Juro e câmbio sem barbárie em 2007
Autor: Durão, Vera Saavedra
Fonte: Valor Econômico, 02/01/2007, Brasil, p. A15

Se o presidente Lula está mesmo disposto a retomar uma trajetória de crescimento sustentado da economia brasileira a partir deste ano, consolidando esta tendência em seu segundo mandato, conforme declarações recentes, é bom se apressar. As fracas vendas do Natal de 2006 já indicam um janeiro de "queima de estoques" no comércio, o que pode resultar em pouca ou nenhuma encomenda à indústria, levando a uma baixa atividade das fábricas no início do ano.

A projeção do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) para o PIB do primeiro trimestre aponta a possibilidade de um crescimento fraco da economia entre janeiro e março, registrando uma expansão de 0,9% em relação aos últimos três meses de 2006. O baixo resultado, se confirmado, ficará aquém do 1,2% do mesmo período de 2006. Ou seja, um mau presságio para um governo que pretende ter como meta um PIB crescendo a 5% ao ano.

A onda de previsões pouco estimulantes para o ano que começa não pára nos números do Ipea. A Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB) divulgou recentemente estimativa de saldo comercial para 2007 quase 20% abaixo do de 2006. O superávit previsto para os próximos 12 meses é de US$ 36,1 bilhões, ante esperados US$ 45 bilhões em 2006. A expectativa dos exportadores é de uma balança comercial com exportações aumentando 1,1% na comparação com o ano passado, contra uma expansão vigorosa das importações, de 11,3%. José Augusto de Castro, diretor da AEB, conta que a estimativa foi feita levando em conta a manutenção de uma taxa de câmbio valorizada nos próximos 12 meses.

"Tudo se encaminha no sentido de ser mantida a política de câmbio, pois o governo não quer mexer em nada que altere a inflação e, neste caso, o câmbio é o sustentáculo dessa política de estabilidade. O ingresso de divisas no Brasil, estimulado pelo juro alto, continua pressionando a taxa de câmbio para que ela não suba", diz Castro. A AEB trabalha com uma taxa de câmbio/teto para o ano de R$ 2,30.

Para o ex-diretor do BC Carlos Thadeu de Freitas, hoje diretor da Confederação Nacional do Comércio, não vigora um clima de muito otimismo entre os investidores em relação a 2007, pois no mercado já pairam dúvidas sobre o ritmo de corte da Selic na próxima reunião do Copom, dia 24, se será de 50 pontos-base ou desacelerará para 25 pontos-base. O fato já gera expectativas negativas e tumultua o ambiente de negócios, alerta Thadeu.

-------------------------------------------------------------------------------- Ipea prevê crescimento fraco no 1º trimestre --------------------------------------------------------------------------------

A economia não decolou mais uma vez em 2006, crescendo abaixo de 3%. Procurar as razões que levaram a esse fraco desempenho pode ajudar a lançar luz sobre o fenômeno e evitar sua repetição em 2007. O ex- ministro Delfim Netto atribui este medíocre desempenho ao Banco Central, que, segundo ele, levou o país a uma escalada absurda dos juros durante meses, matando o crescimento. "Trocaram 1% de taxa de inflação por 2,5% de expansão do PIB", alfinetou Delfim em entrevista ao "Jornal do Commércio".

Caio Prates, economista do Grupo de Conjuntura do Instituto de Economia (IE) da UFRJ, relativiza o papel da Selic no pífio desempenho da economia em 2006, no Panorama Macroeconômico do último Boletim de Conjuntura do IE, para destacar a influência nefasta do câmbio sobre as contas externas e, conseqüentemente, sobre o PIB. Para ele, a expansão da demanda doméstica em 4,2%, bem acima dos esperados 2,8% do PIB, sugere que a responsabilidade da taxa de juros no baixo crescimento de 2006 não foi tão grande assim, apesar de reconhecer que o juro brasileiro ainda é o maior do mundo.

O economista chama atenção para a contribuição negativa do setor externo no PIB, de 1,2%, ante 0,8% em 2005. O que revela uma contração de dois pontos percentuais sobre o produto real entre 2005 e 2006. Na sua análise, a apreciação cambial teria afetado a competitividade da economia levando a substituição da produção doméstica por bens importados, prejudicando as exportações em volume e reduzindo o crescimento do produto real.

O ex-ministro João Sayad, em entrevista à Agência Carta Maior, citou juros altos e câmbio baixo como vilões do crescimento brasileiro. Sayad critica as últimas equipes econômicas. "A política de juros é exagerada. Ao invés de usarmos uma boa oportunidade no cenário internacional, nós a desperdiçamos." O ex- ministro do Planejamento não crê que uma economia com juros reais acima de 10% e um câmbio valorizado possa crescer a taxas maiores que as atuais, na média do primeiro governo Lula, de 2,7%.

Segundo ele, neste contexto de juro alto, a primeira opção de quem tem dinheiro é investir na dívida pública, com retorno seguro e sem problema. Se for se dedicar à atividade produtiva, vai encontrar concorrência internacional a preços baixos (por conta do câmbio desfavorável) e todas as incertezas de um negócio.

Mas ele acredita que, se o Banco Central continuar reduzindo os juros em 50 pontos-base a cada 45 dias, ele chega ao fim do ano com uma taxa nominal de 9,75%. Com uma inflação de 4%, o Brasil fecharia 2007 com juro real de 5,25%. "Se o BC mantiver esta redução, não é preciso mais nada e está cortado o obstáculo mais importante para o crescimento da economia brasileira", ensina Sayad.

Destravar o crescimento certamente é tarefa árdua, que vai exigir da administração petista rapidez, ousadia e garantia contra medidas ultra-ortodoxas. O governo deve defender que o juro vai continuar a cair em 2007. Deve buscar equilíbrio cambial para o país não virar uma filial da China.

O que a maioria da sociedade - que ousou eleger Lula pela segunda vez - espera nestes quatro anos é que a administração petista possa driblar a ortodoxia econômica e abrir espaço para o Estado voltar a ter capacidade de investir e retomar o leme do desenvolvimento sustentado. Este é "o dever de casa" fundamental para o Brasil não cair na barbárie, da qual não estamos muito distantes, como comprovaram os atos de violência que se abateram sobre o Rio e São Paulo, no ano que passou.

Vera Saavedra Durão é repórter especial no Rio