Título: EUA devem crescer menos; dólar e déficit em queda
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Fonte: Valor Econômico, 02/01/2007, Internacional, p. A17

A revista americana "BusinessWeek" reuniu 58 especialistas para apresentarem suas perspectivas quanto a quatro questões-chave que definirão a economia e o ambiente de investimentos nos EUA em 2007. Como a maior potência econômica e política mundial influencia todo o panorama mundial, essas questões podem se fazer sentir tanto na Malásia quanto no Brasil. Por isso, a análise desses especialistas deve servir também para dar uma noção geral do que espera o mundo neste ano.

De modo geral, os economistas esperam um ano bom para investidores, com uma desaceleração do crescimento dos EUA, que deverá ficar em 2,6%. É um ritmo menor que os 3,1% esperados, mas os especialistas projetam um ligeiro aquecimento no decorrer do ano.

A redução do crescimento americano provocará um leve aumento das taxas de desemprego - de 4,5% para 4,8%. Em relação ao mercado de imóveis residenciais, a expectativa é que o período de baixa se encerre em meados de 2007 ou até o fim do ano. Seja como for, os preços das casas ainda devem cair a uma média de 1,7%.

A melhor notícia para os investidores é que a desaceleração da economia permitirá que o núcleo da inflação - que exclui energia e alimentação - diminua. Em relação ao índice de preços ao consumidor (IPC) americano, as projeções apontam para aumento de 2,5%.

Para os especialistas, o Federal Reserve (Fed, o Banco Central dos EUA) terá a chance de cortar sua taxa de juro para menos de 5%, ante os atuais 5,25%.

Os lucros continuarão crescendo, mas a um ritmo mais lento, de um dígito, e não mais a passos largos como em 2006, com taxas de dois dígitos.

Enfim, não é uma perspectiva tão ruim. Claro, que nenhuma previsão significa certeza absoluta. Por isso, é bom dar uma olhadas nessas incômodas perguntas.

A recessão no setor residencial afundará a economia?

É improvável. Embora nenhuma crise imobiliária dessa magnitude tenha ocorrido fora de períodos de profunda recessão econômica, essa desaceleração do setor residencial é única. O mercado simplesmente caiu por causa do próprio peso especulativo, excesso de imóveis e pelos preços elevados. Tudo isso sem as taxas, geralmente, elevadas das linhas de financiamento, crédito restrito e ou ampliação do desemprego. Resultado: a recessão do setor continuou confinada ao mercado de casas.

De qualquer forma, a economia teria crescido mais de um ponto percentual não fossem os efeitos da redução da construção de casas no terceiro e no quarto trimestres de 2006. E esses efeitos continuarão a ser percebidos no começo de 2007. "As vendas de casas estão chegando ao seu nível mais baixo no quarto trimestre, mas os estoques estão muito pesados e a construção residencial cairá ainda mais", diz David F. Seiders, da Associação Nacional dos Construtores de Residências. Mas Seiders e outros economistas acreditam que os efeitos sobre a economia perderão força no primeiro semestre.

O que provoca mais preocupações são os efeitos indiretos da queda dos preços das residências. A maioria dos economistas prevê que respingos no resto da economia, em especial nos nível de gastos do consumidor, será inevitável. A redução do consumo em 2006, já está forçando as empresas a ajustarem seus estoques. A necessidade de cortes na produção deverá ser estender até o início de 2007.

O Fed vai diminuir ou aumentar a taxa de juros?

Dois terços dos economistas esperam alguma redução dos juros, enquanto 9 dos 58 acreditam que haverá novos aumentos, mas só bem depois do início do ano.

As chances de uma eventual suavização por parte do Fed aumentaram no fim do ano à medida que cresceram as evidências um continuada lentidão no ritmo de crescimento.

"Seria loucura para o Fed pôr ainda mais em risco a expansão elevando as taxas diante de um cenário de reequilíbrio do setor imobiliário e dos estoques", diz David Kelly, da Putnam Investments. Com o recuo do mercado residencial, a desaceleração da indústria e a moderação dos gastos dos consumidores, as pressões inflacionários certamente vão ceder. "Por que as taxas de juros deveriam subir, se há mais tranqüilidade e se a inflação já não é um problema?", pergunta Jan Hatzius, do Goldman Sachs.

Até agora, o núcleo da inflação mostrou poucos sinais de que estejas voltando. Em outubro, a taxa ficou em 2,4%, acima dos 1% a 2%, que o Fed considera informalmente como uma zona de conforto. O que separa o grupo dos defensores de um elevação dos juros e os que esperam uma redução é a expectativa que eles têm sobre se a economia perderá força suficiente para permitir que a inflação continue baixa.

"Esperamos que os gastos dos consumidores continuem fortes e acreditamos que o crescimento de um modo geral ganhe forç à medida que a pressão produzida pelo setor residencial e de automóveis diminua", diz Dean Maki, do Barclays Capital.

Na verdade, autoridades do Fed continuam adotando um tom duro sobre as pressões sobre os preços, em especial, sobre aqueles que elevam os salários provocados por escassez de mão-de-obra.

No entanto o emprego e a inflação sempre respondem a uma desaceleração da economia com certa demora. "O foco atual do Fed nos riscos inflacionários deve perder força uma vez que uma período de mais tranqüilidade se abra na economia doméstica", aponta Kevin Logan, do Dresdner Kleinwort. De fato, muitos economistas prevêem que a taxa de desemprego comece a avançar lentamente no início do ano

O boom da lucratividade vai se transformar em um período de quebras?

Uma desaceleração dos lucros é inevitável, enquanto os ganhos diminuem e que as margens de lucro fiquem mais estreitas. O crescimento dos lucros provavelmente cairá para a casa de um dígito, ma ninguém espera o momento de quebras. "Toda a reestruturação e os cortes nos curtos feitos ao longo dos últimos 20 anos estão dando resultando para as empresas americanas", avalia David Berson, da Fannie Mae. No terceiro trimestre, a lucratividade empresarial foi a mais elevada dos últimos 40 anos.

A produtividade não diminuiu, como aconteceu em outros movimentos cíclicos da economia, e os salários não são nenhum fardo insuportável. Na verdade, o custo unitário de mão-de-obra pode até estar exagerado, diz Stephen Gallagher, do Société Générale. Ele lembra que os ganhos dos trabalhadores estão cada vez mais associados ao desempenho da empresa em termos de lucro. "A lucratividade normalmente aumenta muitos anos antes de a economia entrar em recessão", afirma Dana Johnson, do Comerica Bank.

Isso significa que há muito espaço para a desaceleração do crescimento dos lucros até que a economia esteja em perigo.

Os lucros, se caírem um pouco, vão ajudar a promover um crescimento nos investimentos empresariais em novos equipamentos e instalações. Com margens ainda altas e as empresas montadas em imensas reservas de recursos, "os gastos de capital devem continuar sendo um dos pontos mais interessantes", acredita Nariman Behravesh, do Global Insight.

Que influência as perspectivas globais terão sobre as projeções nos EUA?

Há duas tendências importantes, ambas positivas para a economia americana: o dólar vai se desvalorizar um pouco, o que ajudará a impulsionar as exportações e os ganhos gerados por operações no exterior. E o déficit comercial vai finalmente se estabilizar, apesar do ainda elevado e crescente déficit com a China.

"O reequilíbrio do comércio global começou", diz Robert Shrouds, da DuPont. Economias na Europa, no Japão e em toda a Ásia estão se fortalecendo, enquanto os EUA perdem fôlego.

O que há de diferente agora é as economias no exterior estão crescendo internamente, impulsionadas mais pela demanda doméstica e menos pelas exportações, em particular para os EUA.

"Não somos mais os compradores ao que os outros sempre recorram, e o resto do mundo parece estar se desconectando do crescimento dos EUA", analisa Diane C. Swonk, do Mesirow Financial Holdings. Essa desconexão garantirá que o atual boom de exportações dos EUA pode ser sustentada, particularmente porque o dólar caminha para uma queda.

As forças de retração atuando sobre o dólar vão persistir por causa das melhores perspectivas de crescimento no exterior e as diferenças menores entre as taxas de juros, à medida que os bancos centrais continuem a apertar sua políticas e enquanto o Fed fica no aguardo.

O Banco Central Europeu está ainda elevando suas taxas, e o Banco do Japão está para começar a fazer o mesmo. Essas tendências favorecem os investimentos internacionais em detrimento dos feitos nos EUA. Além disso, a "China deu início a um processo gradual de reequilibrar suas reservas em para o yen japonês, para o euro e para outras moedas que não o dólar", afirma Donald Straszheim, do Roth Capital Partners. Isso aumenta o valor do yuan chinês em relação à moeda americana.

O dólar pode quebrar? "Uma crise pode ser evitada contanto que os diferenciais no crescimento e nas taxa de juros não sejam tão punitivas", diz Joshua Shapiro, da MFR. O maior risco para o dólar seria uma recessão nos EUA, mas isso os economistas ouvidos pela revista dizem que nesse ponto os investidores não precisam ter medo.