Título: Ganhos e perdas do intercâmbio dividem analistas
Autor: Landim, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 21/02/2007, Brasil, p. A3

Os rumos do intercâmbio comercial entre América Latina e China provocam um debate apaixonado no meio acadêmico. Alguns economistas criticam a "perversidade" dessa relação econômica, que condena o continente latino-americano a sacrificar a indústria e se especializar em commodities. Outros argumentam que os países devem abrir as portas para os produtos baratos da China, que ajudam a controlar a inflação, e aproveitar os dólares que vêem do país asiático para investir em infra-estrutura, educação e saúde.

Esse dilema é mais evidente nos casos de Brasil, Argentina, Chile e Peru. Esses países são importantes produtores agrícolas e/ou possuem algumas das maiores reservas de commodities minerais do mundo. Por isso, suas economias possuem uma complementaridade evidente com a China, que demanda produtos básicos e se transformou no chão-de-fábrica do mundo. Países como o México, que são pobres em recursos naturais, têm pouco a oferecer à China.

Maurício Moreira Mesquita, economista do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) em Washington, diz que não há dúvida de que o comércio sempre traz benefícios aos países envolvidos. Ele afirma que não é um problema os países latinoamericanos registrarem déficit com a China, mas pondera que o saldo negativo evidencia a natureza do comércio.

"É uma complementação perversa", diz Mesquita. "A China tem um tipo de comércio com a região que restringe as opções de crescimento". Ele explica que os produtos básicos absorvem pouca mão-de-obra. Se países como o Brasil se especializarem em commodities por conta do comércio com a China, enfrentarão problemas para empregar seus trabalhadores. Mesquita também acredita que a participação dos industrializados chineses deve aumentar na América Latina a exemplo do que ocorreu nos Estados Unidos.

Mikio Kuwayama, chefe da unidade de comércio internacional da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal) em Santiago, diz que é um "otimista" sobre a relação comercial entre latino-americanos e chineses. "Graças à China, a região tem uma abundância de dólares". Ele ressalta que os países têm que aproveitar esses recursos para investir em infra-estrutura, educação e saúde. Para Kuwayama, o continente latino precisa dos produtos chineses baratos para controlar a inflação e aumentar o investimento.

Ele afirma que "não está muito convencido" de que o comércio de Brasil, Argentina e Chile com a China tenda ao déficit nos próximos anos. Kuwayama ressalta que a economia chinesa deve continuar crescendo 10% nos próximos anos, o que aumenta a demanda pelos bens básicos da América Latina.

"Os chineses estão conscientes disso e vão investir na América Latina, na África e no Oriente Médico. Eles têm uma estratégia global e a América Latina é uma parte importante", diz. Kuwayama reconhece que os investimentos chineses ainda são pequenos, mas ressalta que um terço vem para a região. Ele acredita que esses investimentos devem crescer substancialmente, já que a China possui mais de US$ 1 trilhão de reservas. Para o economista, a relação entre China e América Latina é uma aposta de longo prazo. (RL)