Título: Estudo de Bevilaqua faz defesa da atuação do Copom
Autor: Ribeiro, Alex
Fonte: Valor Econômico, 21/02/2007, Brasil, p. A4

O diretor de Política Monetária do Banco Central, Afonso Bevilaqua, divulgou um estudo econômico que, a pretexto de mostrar o trabalho para domar as expectativas inflacionárias, faz uma retrospectiva da política monetária no governo Lula.

Quando crescem os rumores sobre a possível saída de Bevilaqua do BC, fica inevitável ler o texto como um testamento. Ele também pode ser visto como uma declaração de princípios, já que o trabalho é em co-autoria com o diretor de Estudos Especiais do BC, Mário Mesquita, apontado como sucessor de Bevilaqua; e com o chefe-adjunto do Departamento de Estudos e Pesquisas do BC, André Minella, funcionário de carreira com vínculo de longo prazo com o regime de metas de inflação.

Se Bevilaqua não deixar o cargo - ele sempre diz que os rumores sobre sua saída são repetidos há 14 trimestres, desde que assumiu o cargo, em julho de 2003 -, no mínimo o texto ajuda a entender melhor as opiniões de membros influentes do Comitê de Política Monetária (Copom) do BC.

O núcleo do trabalho ("Brasil: domando as expectativas inflacionárias", disponível na internet) é um conjunto de exercícios matemáticos e estatísticos que mostra como, ao longo do tempo, as expectativas de inflação ficaram cada vez mais ancoradas nas metas. O melhor, porém, não são os números, mas o longo relato feito por pessoas de dentro do Copom sobre o porquê de suas decisões.

A conclusão é que as expectativas estão de tal forma ancoradas que, se a meta de um ano para outro for 1 ponto percentual menor (p.p.), por si só a inflação esperada cai 0,77 ponto percentual. O peso da inflação corrente é menos importante: uma alta de 1 ponto na inflação corrente leva a um aumento de 0,2 ponto percentual na expectativa de inflação. No caso do câmbio, uma variação de 1 ponto leva a uma variação de 0,06 ponto percentual na expectativa.

Antes de chegar às conclusões numéricas, os autores discorrem sobre escolhas importantes feitas pelo Copom, como a rápida desinflação em 2003, o gradualismo em 2004 e uma postura firme em meados de 2005 - quando a economia estava estagnada - para a conquista definitiva da credibilidade.

Na crise da primeira eleição de Lula, a opção foi a rápida alta dos juros, de 18% para 26,5% ao ano entre outubro de 2002 e março de 2003. "Dada a história brasileira de inflação cronicamente alta, as autoridades monetárias eram contrárias a processos desinflacionários muito graduais, mesmo que ele talvez fosse desejável para minimizar a volatilidade do Produto Interno Bruto (PIB)", diz o estudo.

Naquele momento, questões ligadas à credibilidade também aconselhavam agir rápido. Havia, lembra o estudo, preocupações com a chamada dominância fiscal. Ou seja, sobre como um aperto nos juros iria prejudicar a dívida pública, levando à depreciação do câmbio e a mais inflação. Outra linha que minava a credibilidade - presente até hoje, dizem os autores - era a crença de que a política monetária é ineficaz, devido a bloqueios nos mecanismos de transmissão. Entre eles, o baixo volume de crédito na economia e a indexação de preços administrados.

Essas crenças dificultaram o trabalho do BC no início de 2003, quando as expectativas de inflação continuaram a subir. "Foi apenas quando o Copom decidiu, em abril de 2003, contra tremenda grita, manter a taxa Selic inalterada em 26,5% pelo terceiro mês seguido que a política monetária mostrou sinais de dar resultados", diz o estudo.

Em junho de 2003, com a inflação já em queda, o Copom fez um corte de apenas 0,5 ponto percentual nos juros. "Como ocorreria nos anos seguintes , (...) (surgiram) alegações de que a inflação estava morta", diz o texto. "O desafio era calibrar o relaxamento monetário de forma a não colocar em risco o processo de desinflação."

O Copom procurou mostrar, naquele período, que o que influenciava a atividade e a inflação não era a taxa Selic, mas os juros projetados pelo mercado financeiro, que já apontavam queda. Se o mercado projetasse uma queda muito grande, poderia "minar a desejada contração monetária, colocando em perigo a trajetória de desinflação". A queda na expectativa inflacionária nos meses seguintes abriu espaço para cortes no juro - que em abril de 2004 caiu a 16%.

Em 2004 ressurgiram as pressões inflacionárias. Depois de todos esses cortes nos juros, diz o texto, "havia substancial estímulo monetário a caminho". A alta dos juros americanos, naquele ano, levou a uma piora nas expectativas de inflação.

Os juros começaram a subir em setembro de 2004, com uma alta de 0,25 ponto percentual, e o BC anunciou que iria perseguir uma inflação de 5,1% em 2005, acima da meta de 4,5% fixada para o ano. Com isso, dizem os autores, o BC indicou que não iria permitir que a inflação ficasse no teto do intervalo de tolerância do regime de metas (7%), como começava a ser projetado pelo mercado.

A política contracionista teve impacto limitado nas expectativas. "Os participantes do mercado estavam claramente céticos sobre a possibilidade de desinflação", diz o texto. "O ceticismo tinha várias causas, além das inevitáveis questões de credibilidade em um regime (de metas) que enfrentou tanta turbulência."

O principal problema, porém, foi que a alta da Selic teve impactos limitados sobre os juros do mercado. Em um aperto monetário de 2001, recordam os autores, os juros projetados pelo mercado para um ano haviam ficado 5,4 pp. acima da Selic corrente; em 2004, após mais três altas na Selic, subiram apenas 0,4 ponto percentual.

A resposta ocorreu no início de 2005, quando a inflação cede após novos apertos monetários. Mas o quadro não era de todo tranqüilo. "No segundo trimestre de 2005, a política monetária estava em uma encruzilhada (...). Os modelos de projeção do BC apontavam para a convergência para as metas em algum momento de 2006, mas as taxas correntes de inflação permaneceram inflexivelmente altas."

Mais algumas altas, que levaram os juros a 19,75% em maio, e a inflação começa a cair. E a economia esfria. A questão, então, passou a ser definir o momento de começar a relaxar a política monetária. A opção foi retardar o início de baixa de juros até setembro de 2005, como forma de fazer a inflação oscilar em torno do centro da meta, de 4,5% em 2005 e anos seguintes.

"Custos de curto prazo, em termos de perda de atividade econômica, devem ser vistos como um investimento em estabilidade, a qual renderá ganhos nos próximos anos em termos de aumento da credibilidade e efetividade da política monetária", diz o texto.

Leia o estudo em www.bcb.gov.br