Título: Cabral expõe-se a polêmicas no debate da segurança pública
Autor: Santos, Chico
Fonte: Valor Econômico, 21/02/2007, Política, p. A6

A decisão do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), de criar uma comissão especial para analisar propostas para dar maior autonomia aos Estados para legislar na área de segurança representou uma vitória da posição de liderança que vem assumindo o governador do Rio, Sérgio Cabral Filho (PMDB), no debate do tema nas últimas semanas. Premido pelo brutal assassinato, por um bando que incluía um menor de 16 anos, do menino João Hélio Fernandes, de 6 anos, Cabral partiu para proposições polêmicas, como a de dar aos juízes locais autonomia para decretar maioridade de acordo com a gravidade do caso, ao mesmo tempo que dá continuidade a iniciativas mais articuladas, como a de unir os Estados do Sudeste em torno de propostas comuns para a área e de costurar as esgarçadas relações do Estado com o prefeito da capital, Cesar Maia.

Cabral é um franco atirador? Tem um estilo agressivo e tende a partir direto para a ação, respondem pessoas que o acompanham de perto, mas suas principais iniciativas costumam nascer de um núcleo pensante que, especialmente neste tema da segurança, tem como expoente o seu chefe do Gabinete Civil, Régis Fischner, conselheiro de Cabral desde 1996. O outro elo desse núcleo, mais voltado para a área política, é o secretário de Governo, Wilson Carvalho, também há 11 anos assessorando o atual chefe do executivo do Rio. A afinidade dos três começa na geração. Cabral tem 44 anos e seus dois principais auxiliares, 43.

A proximidade com Fischner é tamanha que Cabral fez dele senador da República, escolhendo-o em 2002 para seu suplente, uma posição que a legislação brasileira trata como uma questão de amizade. Fischner, que coordenou a campanha à eleição do governador, retribuiu renunciando à regalia quando Cabral assumiu o governo, preferindo ficar como seu braço direito. Modesto, o senador secretário transfere os méritos ao chefe: "Ele tem uma enorme sensibilidade. Só coloco as idéias dele dentro do que é viável ser feito".

Formado em direito, com mestrado na Universidade de São Paulo (USP) e na Alemanha e doutorado na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Fischner é procurador do Estado e foi pinçado por Cabral para arrumar o Serviço Jurídico da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) em 1996, quando o hoje governador presidia o legislativo estadual.

Independente das ações do dia-a-dia, o principal objetivo de curto prazo da política de segurança de Cabral é evitar que a sensação de segurança trazido pelo reforço de quase 6 mil homens no policiamento deverá trazer para o Rio na época dos Jogos Pan-Americanos (julho) se esvaneça logo após cerimônia de encerramento dos jogos. Seria a triste repetição do que ocorreu no dia seguinte ao término da Rio 92, a conferência mundial para o Meio-Ambiente realizada na capital do Estado em 1992.

Para isso, o Estado vem trabalhando para aumentar o efetivo próprio de policiais nas ruas, mesmo antes de fazer concursos para ampliação da tropa. O diagnóstico é de que há muito policial militar fora do trabalho de patrulhamento, grande parte deles desnecessariamente cedidos a outros instituições do Estado. Outro caminho, que o próprio Fischner reconhece difícil, por mexer no bolso do policial e nas finanças estaduais, é acabar com a tradicional escala de 24 horas de plantão por 72 de folga, responsável por fazer com que muitos policiais dediquem mais tempo aos seus "bicos" do que à corporação a que deveriam ter dedicação exclusiva.

"Nosso trabalho é estrutural, de médio e longo prazo, independente das medidas emergenciais", afirma o secretário. Segundo ele, a primeira medida nesse caminho foi "despolitizar" a área de segurança, fazendo escolhas técnicas para o comando das corporações e dos batalhões.

A escolha do delegado federal José Mariano Beltrame para secretário de Segurança Pública do Estado estaria inserida neste espírito de profissionalização, segundo Fischner, uma das marcas que diferenciam a política de Cabral da praticada pela família Garotinho (os ex-governadores Anthony Garotinho e Rosinha Matheus. Beltrame é considerado um homem que prioriza a investigação ao confronto, apesar de os embates entre a PM, traficantes e as recém-descobertas milícias para-militares que vendem proteção contra o tráfico seguirem matando a granel (somente em dois episódios nesta semana foram 14 mortos).

A ofensiva de Cabral na área de segurança tem recebido amplo apoio na sociedade fluminense, apesar da vaia no governador ensaiada por parte dos manifestantes que foram à missa de sétimo dia de João Hélio, na igreja da Candelária (centro). O sociólogo Gláucio Soares, do Instituto Universitário de Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Iuperj), disse que "os passos dados (por Cabral) até agora surpreenderam positivamente".

Soares avalia que o governador do Rio tem acertado tanto nas ações como nas proposições. Entre as primeiras, ele relaciona desde a escolha de Beltrame até a busca de experiências vitoriosas em outros lugares, como a de Hugo Acero, secretário de Segurança e Convivência de Bogotá por nove anos que conseguiu reduzir os índices de homicídios na capital colombiana em quase 80%; a do ex-prefeito de Nova York Rudolf Giulliani, responsável pelo programa de segurança que ficou conhecido como "tolerância zero", além de experiências em outros Estados brasileiros, como Minas Gerais. No final de março, o governador fluminense vai a Bogotá para conhecer a experiência colombiana de combate à violência.

Soares aplaude também as iniciativas de Cabral para mudar aspectos da legislação penal do país, incluindo a liberdade para que os Estados possam ter legislações próprias. Ele destacou a iniciativa de unir os governadores -"O tráfico está conseguindo algo que os políticos nunca conseguiram, criar uma identidade sudestina"-, mas admitiu que o pensamento acadêmico entre aqueles que lidam com o tema segurança é muito dividido, especialmente pelo que ele considera um erro das esquerdas, o de considerar que a criminalidade é determinada apenas por fatores econômicos sociais.

O sociólogo Ignacio Cano, professor da Uerj e um dos representantes do pensamento de esquerda na academia entende também que as ações "operativas" de Cabral estão no caminho certo, especialmente a ênfase nos aspectos técnicos. Já para as propostas legislativas, seja quanto à autonomia dos Estados e dos juízes ou quanto à redução da idade penal, Cano torce o nariz. Especialmente sobre a idade penal, ele entende que o maior problema não está na idade, uma vez que a maior parte dos crimes é cometida por adultos, mas nas instituições de internação dos menores que não são capazes de ressocializá-los.