Título: EUA abandonam a arma da diplomacia no Oriente Médio
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 21/02/2007, Opinião, p. A8

A miopia da política externa americana vai provocar mais desastres políticos e humanos no Oriente Médio. Após a aventura da invasão do Iraque, que acelerou divisões no mundo árabe e aumentou a radicalização em seu interior, os EUA jogam cartadas com escassas chances de sucesso no Iraque, Irã e no das relações entre os movimentos palestinos e Israel.

Em reuniões no fim de semana e na segunda-feira com o presidente palestino, Mahmoud Abbas e o primeiro-ministro Ehud Olmert, a secretária de Estado americana, Condoleezza Rice, cortou o caminho à esperança de um reinício de negociações de paz. Os EUA se alinharam com Israel para dar novos ultimatos aos líderes palestinos. Os americanos querem o respeito aos acordos assinados, o reconhecimento de Israel e o fim da violência para que um acordo seja possível. Com isso é mais do que os moderados de Abbas podem entregar, o boicote econômico dos países europeus e dos EUA aos palestinos continuará e os ânimos, sempre exaltados, nas miseráveis faixa de Gaza e Cisjordânia se acirrarão.

O boicote teve um efeito devastador. Não só minou qualquer chance de o Hamas governar, como ajudou a provocar a radicalização do conflito entre Fatah, a principal organização de apoio de Abbas e os xiitas do Hamas, vencedores das eleições de janeiro de 2006. As facções rivais se enfrentaram nas ruas dos territórios palestinos, com um total de uma centena de mortos e dezenas de feridos. Apenas a intervenção tardia da Arábia Saudita foi capaz de produzir uma trégua, onde a posição moderada de Abbas foi adotada. O Hamas dissolveu seu governo e concordou em formar um outro, de coalizão, onde continuará tendo maioria, mas entregando os principais cargos - como o de Finanças e o comando das forças armadas - a independentes escolhidos por consenso.

O passo seguinte que poderia garantir algum progresso no caminho da paz seria reconhecer que, após uma série de derrotas, a ala moderada de Abbas, a única interlocutora possível com Israel, venceu uma queda de braço com o Hamas. Os líderes do grupo radical, por seu lado, mostraram disposição de sentar-se à mesa de negociações e de interromperem os ataques a Israel. Mas Israel ocupa os territórios palestinos ilegalmente e, do ponto de vista do Hamas, tanto o desarmamento quanto o reconhecimento das fronteiras atuais, que definem o Estado de Israel, é uma traição a seus mais profundos compromissos. O fato é que houve uma evolução das posições, mas tanto os EUA como Israel não a viram ou preferem não vê-la. Membros do governo israelense de Olmert, desacreditado e com elevado grau de rejeição, chegaram a apontar que Abbas se movera em direção às posições do Hamas, numa mistura de cinismo, obtusidade e intransigência.

Para enfrentar os desafios lançados pelo Irã, que segue em frente com seu programa nuclear, os EUA aumentaram suas posições militares no Golfo Pérsico. À tradicional ameaça da força, deveria seguir-se tentativas de acordo, depois que as iniciativas européias não prosperaram. Mas nada aconteceu depois, embora a pressão conjunta sobre o governo iraniano não fosse inócua. O presidente Ahmadinejad já não é tão popular, como demonstraram as eleições municipais, e enfrenta críticas de parte da hierarquia religiosa xiita - um sinal inequívoco de divisão na cúpula do poder. Os EUA podem estar desperdiçando novas oportunidades. Menos intransigência e unilateralismo, mais pragmatismo - e dinheiro - contribuíram para desarmar a bomba coreana de Kim Jong-Il, o ditador da Coréia do Norte que, em acordo, desistiu por enquanto de buscar armas nucleares com tecnologia de ponta.

Uma aproximação com o Irã teria outras vantagens, já que o país apóia a guerrilha do Hezbollah contra o governo libanês e Israel e dá apoio aos xiitas na guerra civil iraquiana. Mas a falta de perspectivas diplomáticas deixa a força das armas como único meio de resolução de conflitos. Bashar al-Assad, da Síria e Ahmadinejad se reuniram no fim de semana e a única coisa em que presumivelmente concordaram é em encontrar meios de ferir interesses americanos. Com a atual política, o presidente George W. Bush nada conseguirá além de produzir novos desastres.