Título: Fracasso da elite gerou a 'revolução'
Autor: Rittner, Daniel
Fonte: Valor Econômico, 10/01/2007, Internacional, p. A10

Hugo Chávez é constantemente criticado por governar de forma personalista, sem o contrabalanço dos instrumentos democráticos tradicionais, ou seja, sem partidos de oposição, sem alternativas viáveis organizadas. É verdade, mas não se pode culpar só Chávez. A elite venezuelana, dividida à moda européia entre democratas-cristãos e social-democratas, se alternou no poder por 40 anos e, mesmo assim, foi incapaz de distribuir a riqueza do petróleo, de modernizar a economia do país e de sobreviver como uma opção política.

Em 1958, um acordo entre a AD (Ação Democrática, social democrata) e o Copei (Comitê de Organização Política Eleitoral Independente, democrata cristão), feito na esteira de um período ditatorial, moldou um sistema partidário que só ruiu em 1998, quando Chávez foi eleito pela primeira vez.

Nos anos 60, a situação ainda não havia se acalmado. O espectro de golpes de direita foi constante, enquanto uma guerrilha de esquerda se formava - uma receita clássica latino-americana.

A pacificação veio definitivamente na década de 70. Os dois partidos então dominaram de tal maneira o cenário político que o sistema ganhou características de bipartidarismo. Em 1973, na primeira eleição de Carlos Andrés Perez (AD), 80% dos votos foram divididos quase igualmente entre o partido vencedor e o Copei.

Chegou-se também ao auge da riqueza do petróleo. Perez estatiza a indústria petrolífera e nasce a era da "Venezuela saudita". O petróleo trouxe uma prosperidade inigualável na história do país. Os comerciantes em Miami esfregavam as mãos de tanta satisfação ao ver um cliente venezuelano. A economia, entretanto, não se diversificou.

As correntes internas tanto da AD quanto do Copei passaram a se digladiar de maneira feroz. As acusações de corrupção eram geralmente direcionadas a correligionários, e não críticas em relação ao outro partido. Nenhum dos dois teve apoio interno básico para formular nenhum tipo de política de desenvolvimento, restando apenas sobreviver - faustosamente - com a renda do petróleo.

Na década de 80, a falta de alternativas estruturais levou o país a entrar numa espiral constante de crises. De novo, os partidos se voltaram para as lutas intestinas, incapazes de achar saídas para a pauperização da população. O período foi marcado pela crescente tensão social e, acima disso, pelo cansaço e descrédito em relação aos políticos, aos programas econômicos e ao próprio "regime bipartidário" em si. A abstenção registrou recordes nas eleições locais e presidenciais do fim da década.

Foi em 1992 que Chávez surgiu no cenário político, numa tentativa de golpe contra Carlos Andrés Perez, em segundo mandato. Perez resiste ao golpe, mas não ao impeachment por corrupção.

O canto do cisne desse sistema político ocorre com a eleição de Rafael Caldera para suceder Perez. Líder histórico do Copei, ele havia sido eleito presidente em 1968. Três décadas depois, foi expulso do partido e elegeu-se novamente de forma independente.

Chávez então se lança à sucessão de Caldeira. AD e Copei se juntam em candidatura única, mas já é tarde para enfrentar a onda chavista: 1998 marca o fim da predominância desses partidos, não por culpa de Chávez, mas deles mesmos.